O incrível mundo das coisas que não foram feitas para você
Nessa grande e frágil bolha que chamamos vida nos depararemos, através dos anos, com coisas que não foram feitas para nós. Não me refiro à um sanduíche de patê de presunto ou um sapato lindo mas tamanho 36, mas sim ao bom e velho mundo do entretenimento. Alguns dizem que o entretenimento começou com a simples apreciação do mundo ao redor por nossos ancestrais distantes, outros garantem que a prostituição não só é a primeira profissão como o original programa de domingo, ao menos para algumas famílias. Seja como for, nem tudo é pro seu bico.
Dentro do que se pode chamar de entretenimento, que compreende mais do que apenas os produtos, mas o mercado que as gera/regula/controla/modifica/restringe e sua relação com os consumidores (Nomenclatura que, meio ironicamente, serve tanto para quem simplesmente aprecia quanto para quem compra). Em outras palavras, o entretenimento é parte intrínseca do tal show business, e assim sendo, já há muito tempo, está ligado ao lucro: Entretenimento dá lucro porque é supérfluo, e o supérfluo é o que se quer quando todas as suas necessidades básicas (Alimentação, moradia, higiene, etc.) já foram preenchidas, o que é uma realidade para a maior parte da população mundial. Talvez as condições não sejam as ideais, mas a verdade é que a maioria das pessoas no mundo não passa fome, não mora debaixo de viadutos, tem a maioria dos dentes e acha que, após tanto esforço, merece ser recompensada. E o mundo do entretenimento, claro, é o que supre essa necessidade, dos mais diferentes modos: Se há a procura, há a oferta. Ou é apenas uma questão de tempo.
Como ninguém nesse planeta é tão idiota assim, o mundo do entretenimento faz o possível para aumentar sua oferta, e para isso são usadas algumas das ferramentas mais interessantes já desenvolvidas: A propaganda, o marketing, o controle da própria oferta e a criação da demanda, entre tantos outros. Como eu não gosto de café e nem de camisas xadrez, vou pular toda a parte sem graça dessa questão e afirmar aqui que cada possível tipo de entretenimento tem um público específico. O que é óbvio, já que ninguém se interessa por tudo, muito pelo contrário: Há coisas que todos nós não só não nos interessamos como queremos passar longe. O problema mesmo é quando há a procura, mas o público que gera essa procura não é o público que interessa ao mundo do entretenimento.
As chances de você já saber o que vou dizer são altas: Nem tudo que você gosta foi feito pra você. A gente tem até uma série musical mais ou menos sobre isso.
A lista vai longe, mas só para vocês entenderem o que quero dizer, vejam estas imagens:
Eu não estou dizendo que nada disso é errado, mas sim que nenhum desses produtos foi feito para esses públicos. Talvez não seja uma boa ideia deixar crianças verem luta livre de mentira, mas por outro lado a maioria de nós dava fatalities aos dez anos e isso nunca causou grandes problemas. Ainda assim, somos todos pontos fora da curva. De alguma curva. E não é por isso que vamos deixar de gostar do que gostamos.
O problema se cria quando nós, o público “externo”, que não deveria estar consumindo o que quer que seja para início de conversa, começamos a reclamar do produto de entretenimento não estar nos agradando. Crepúsculo não foi feito para quem quer um debate literário e nem My Little Pony foi feito para adultos que queiram uma trama complexa, então simplesmente não há motivo lógico e racional para alguém que não seja o público-alvo dessas obras reclamarem. De forma bem simples, pra ficar claro: Se você gosta de algo que não é feito pra você, e está insatisfeito por isso, CALE A BOCA.
Eu entendo perfeitamente a frustração que é ver algo que você gosta ir por um caminho que, pra você, é ruim. De verdade, estive nessa situação várias e várias vezes, nos mais diferentes nichos do entretenimento, e sim, reclamei pra caralho, mas nunca esperei que as coisas mudassem por causa disso: Eu só gosto de reclamar. A coisa muda quando se faz abaixo-assinado (Algo que bem poderia ser banido da internet, já que é patético na vida real e ainda pior online), protesto (E não me refiro ao #vemprarua), boicote, mobilização em convenções e outras coisas do tipo: É a mesma coisa que um paciente gripado tomar remédio pra pressão alta baixa e reclamar da taquicardia.
Esse é o tipo de comportamento que você vê no ponto de ônibus e fica tão indignado que até perde o busão. Um produto de entretenimento não é publicado simplesmente assim que acaba de ser feito: Por trás de cada investimento da indústria há milhões e milhões de pesquisas e investimentos prévios, tudo para garantir um melhor retorno para aquele produto. Seja um programa de TV, um filme, uma série de HQ, qualquer coisa, qualquer coisa derivada de um mercado, passa por vários testes e aprimoramentos para tentar agradar o máximo possível o seu público-alvo, seja este qual for. Bob Esponja, por exemplo. Veja a diferença entre as primeiras temporadas e as atuais. Não é por acaso a identificação e certa obsessão por um produto: Eles são feitos justamente para gerar essas respostas. Mas não de qualquer pessoa: De quem vai ter um contato inicial positivo com esses produtos, e esse contato inicial requer semelhanças interpessoais, ou seja, o contato inicial depende intimamente de características que um certo público possui.
Goste ou não, se um produto foi feito para crianças, esse produto foi completamente desenvolvido pensando nessas crianças: Idade, cultura, localização geográfica no planeta (E isso não é exagero), tipo de criação, resposta média à determinados estímulos. Não significa que um adulto ou até mesmo uma criança com um plano de fundo diferente não possa gostar, mas isso é uma anomalia. A vida é feita de anomalias, mas mercados não. E o mercado não vai agradar uma minoria (E é sim, sempre, uma minoria) que, por um motivo além de todas as pesquisas aplicadas, aprecia o mesmo produto.
E sabe qual o legal disso? O mundo não é injusto. O mercado não é injusto. Não é o capitalismo selvagem que estupra a boa arte e cospe na cara dos fãs. Não, a culpa é sua.
Sabe essa história de comédia romântica de que “você não escolhe do que gosta”? Ela não cola. Primeiro porque você não vai encontrar o amor da sua vida numa festa qualquer no apê da ex do seu irmão, e segundo porque você escolhe o que você consome. E não adianta jogar a carta do “vício”, tanto pro seu cigarro quanto pro seu Netflix: Consumir é uma ação ativa, e a única passividade possível é a sua e a da sua dignidade.
Então você quer reclamar? Vai lá. Na boa mesmo, reclama dos roteiros, das animações, da dublagem, das atuações, dos efeitos especiais, dos brinquedos do McDonald’s, da crítica do Rubens Ewald Filho, de como a Record retratou na novela, da influência das grandes petrolíferas, do alienamento cultural e do xampu que arde sim o olho, apesar da embalagem legal. Mas não vem querer botar o pau na mesa: Não só você está errado como vai perder. Pode ser algo desprezível, mas o mundo do entretenimento sabe o que faz, e tudo que faz é para o seu próprio interesse, e isso inclui ignorar toda e qualquer pessoa que, por ser suportivo de algum produto, acha que sabe mais sobre o mercado que o próprio mercado, e que este deveria curvar-se à caprichos quaisquer. Não vai acontecer, e digo mais: Bem feito; porque o público alvo de verdade está se divertindo.
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