Oséias: gay, preto e lobisomem
Lá pro final do ano passado chegou à minha atenção uma campanha do Catarse de um gibi. Sendo a puta de financiamento coletivo que eu sou, fui lá conferir, e eis que fui esbofeteado pela sinopse da parada: Oséias é um lobisomem gay que consegue ver o futuro. Esse tipo de absurdo é exatamente o que eu quero na minha vida.
Eu vou admitir que ao ler a sinopse eu não li absolutamente mais nada sobre a parada. Eu não li sobre o autor, não li sobre o financiamento, não li porra nenhuma: Eu apoiei a parada e esperei chegar aqui em casa. Tem umas duas semanas que isso aconteceu, mas só agora tive tempo para ir ler o gibi, e porra, é muito mais do que eu pensava.
Indo por partes, sim, Oséias é o nome do personagem principal e sim, ele é um lobisomem gay que vê o futuro. O que eu descobri é que a história não é sobre nada disso. A história, até onde posso dizer, é a bem padrãozinha de história de fantasia moderna: Magia existe, criaturas também, e, de certa forma, são gente como a gente e tocam a vida da forma mais normal possível. Isso você já conhece de uma centena de outras obras. A diferença é que Oséias mistura o fantástico com representatividade de várias minoriais, tudo ambientado na grande São Paulo. Em outras palavras, Oséias tem uma história central conhecida, mas cujos temas adjacentes acabam por dar uma cara particular pra coisa toda, e em grande parte isto é porque o Johnatan Marques – ou melhor, Johncito – busca representar minorias das quais ele mesmo faz parte. Eu não espera, por exemplo, logo nas primeiras páginas da história o personagem ser parado pela polícia por ser preto, pra, em seguida, dizer que o policial traia a esposa com outro homem: Baita tapa na cara com dois tópicos fodas que não tem relação alguma com magia. Cê também pode achar o Johncito lá no Instagram pra ter uma ideia melhor do que eu tô falando.
Outra coisa que eu não sabia até ler e ir pesquisar mais a parada (E por “pesquisar” entenda “ler o que estava bem na minha cara desde o princípio”) é que Oséias está no Tapas. Aliás, é lá que o gibi é normalmente publicado, e já está em seu terceiro capítulo. Além disso, também é uma obra interativa, e isso é algo muito foda que sequer tinha passado pela minha cabeça que Oséias funciona assim: Toda semana (Às quartas-feiras), a cada nova página, é criada uma enquete no Twitter do autor para decidir o que rola em seguida. Claro que há um fio guia na coisa toda, mas não deixa de ser algo bem interessante, e que torna a coisa toda uma webcomic “de verdade”.
O financiamento coletivo foi apenas do primeiro capítulo, com direito à uma história extra. Eu gosto bastante do estilo da arte de Oséias, pra mim ela caminha numa linha tênue entre o bom gosto e aquele estilo clichê de webcomic do (Finado) Tumblr, e se encaixa bem com o tom geral da história. Em termos de escrita há vários pontos em que o diálogo fica extremamente didático, naquela velha história de tentar explicar situação e expandir o universo através das falas dos personagens… É algo que raramente funciona sem ter aquele Selo de Qualidade Malhação, e aqui não é diferente. Com pouco mais de 30 páginas até agora e a história estando no começo ainda (Já com direito à salto temporal nesse meio aí), é algo perdoável, mas que definitivamente pode melhorar.
Em termos do objeto físico, eu tenho alguns comentários à parte. Com 16 páginas do primeiro capítulo, mais os extras, o primeiro volume de Oséias é um gibi bem pequeno em suas 24 páginas. A história avança pouco neste intervalo, e eu realmente acho que teria sido uma ideia muito melhor o autor ter esperado mais tempo para lançar o livro físico… Se ele manter o padrão de 16 páginas, cinco capítulos por volume estariam de bom tamanho. Falando em tamanho, em seus 15x21cm o gibi também tem hora que deixa a desejar no tópico “visibilidade”: A grande maioria dos balões e quadros dá pra ler tranquilamente, mas há outros que ficam muito pequenos. Um bom exemplo disto está justamente na primeira imagem aqui no texto, na parte que mostra mensagens de texto de celular. O pior, porém, são as páginas extras da versão física, nas quais há a ficha de dois dos personagens principais: Eu consigo ler de boa, mas que parece bula de remédio, parece. O último “porém” que eu devo dizer é que a versão física inclui uma página com dois QR code, um para o Tapas de Oséias e outro para outra obra do autor (Também sobre um licantropo!), Se tudo der errado amanhã (Que tá só 3 dinheiros lá na Amazon)… E nenhum dos dois funciona. Isto é um problema muito menor que qualquer outro, mas com tão pouco tempo desde o envio do livro seria de se esperar que a parada estivesse em ordem. No mais, a qualidade de impressão e de papel, tanto de capa quanto de recheio, é muito boa, e o cuidado em conseguir as cores certas na impressão é notável.
Em termos de história eu vou deixar qualquer comentário para um momento futuro: A parada ainda tá no começo, tem toda a coisa de ser uma obra interativa e eu acredito que há bastante coisa a se melhorar no que tange o como contar… Considerando que eu “comprei” a parada sem sequer ir ver com calma qualé que era, dá pra dizer que eu tô gostando. Todas as minhas críticas são pra execução da versão física da parada, mas a obra em si, seu conteúdo, tá indo muito bem. A grande tragédia de acompanhar webcomic é que, geralmente, levam-se anos e anos pra finalmente ver a conclusão da história toda, e cê provavelmente vai ter que reler a coisa toda porque, quando chegar a última página, cê já vai ter esquecido a maioria do que rolou… Ao que tudo indica, Oséias ainda tem um caminho bem longo pela frente, e eu tô disposto a acompanhar coisa toda… Só não sei se vou topar um financiamento coletivo do segundo volume nos mesmos moldes deste primeiro.
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