Polêmico, Elle conquista público pela força de Huppert

Primeira Fila segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Café e cinema, em plena quarta-feira, é um luxo que não posso me dar toda a semana. A sala estava mais cheia do que o normal para a sessão vespertina de Elle, muito bem cotado entre a crítica, especialmente pela performance de Isabelle Huppert. Na trama, ela é a bem sucedida Michèle, dona de um passado sombrio e que se encontra mais uma vez em uma situação delicada ao ser estuprada e perseguida pelo homem que a violentou.

A sinopse pesada afastou minhas amigas do cinema. As que foram repreenderam a narrativa, classificando-a como absurda. Pudera! Afinal, esse é o objetivo de Paul Verhoeven com o longa. Michèle é uma mulher que incomoda por seu poder, seu deboche, caráter e egoísmo. Literalmente de poucos amigos, é forte e tem uma praticidade assustadora, que não permite que os outros entrem em sua vida, intimidade e se envolvam em seus sentimentos mais profundamente. Tortuosa, sofre com um affair em que já não gostaria mais de estar e – ao mesmo tempo – com o relacionamento que seu ex-marido constrói com outra mulher. Estão todos no mesmo circulo de amizades e são muito próximos. Não é estranho, portanto, que todos estabeleçam relações interpessoais tão disfuncionais. E vou te dizer: Bota disfuncional nisso.

Ao ser estuprada, Michèle varre a casa, joga as provas fora e volta à rotina como se nada fosse. Revela a violência aos amigos em um jantar casual, como se contasse que remodelou seu escritório. Se tanto a sinopse quanto o trailer levam o espectador a crer que ela está em busca de vingança, é apenas para confundir. Ela pensa em como poderia ter evitado, em quem poderia ter sido, mas não faz grandes esforços para descobrir a identidade de seu agressor. Mesmo quando recebe mensagens que poderia rastrear, ou tem a casa invadida e encontra sêmen espalhado em sua cama, se recusa a procurar a polícia por motivos pessoais e que, de certa forma, nortearam sua vida.

As histórias paralelas são tão doentias quanto, ainda que em níveis diferentes. Desde o filho mimado que arranja uma namorada irresponsável e de caráter duvidoso (O alívio cômico da trama, mas não tão cômico assim), sua relação com a mãe devoradora de jovens homens, aos flertes com o vizinho charmoso e a desconfortável insistência do amante por sexo, tudo é muito mecânico. Michèle parece saída de Westworld, seguindo as quests para as quais foi programada. Sempre fria e pragmática, tem algumas nuances de humanidade, que transparecem um pouco de sua alma perturbada e mostram que, por trás da rocha, há uma mulher que não se permite sentir. Suas contradições, uma a uma, são despidas diante da tela, confundindo a todos do lado de cá.

Difícil de digerir, teve como polêmica central uma suposta romantização do estupro. Apesar de isso ter um fundo de verdade, não é pela questão sexual em si. A trama não deve ser analisada apenas pelo o que vemos se nos é entregue, de bandeja, mas por todo um background que, de certa forma, delineia o caráter da protagonista. Verhoeven insiste na história pessoal de superação de Michèle, marcada por uma tragédia inimaginável do passado. É uma mulher doente, com muitas feridas e que normaliza as repetidas violências sofridas, mesmo as simbólicas, ao longo da trama. Não é o ideal, mas é um mecanismo de defesa que usa para lidar com as adversidades. Já o estupro foi retratado exatamente pelo o que é: Uma relação de poder entre perpetrador e vítima. Não é sobre o que o mascarado quer ter, mas o que pode. Pura e simplesmente.

Todos esses elementos se misturam à atuação impecável de Huppert, que deve – ao menos merece – ser indicada como melhor atriz no Oscar. De preferência, ganhando de Emma Stone que, em comparação, parece uma amadora diante da grandeza da francesa. Não é um entretenimento fácil, gostoso e que te deixa nas nuvens, como o superestimado La La Land. Tampouco é fácil de quantificar o quanto gostei, ou não, do drama francês. Parece mais um nocaute que te apaga por tanto tempo que, ao acordar, você acha que ainda está na luta, com a adrenalina a mil, mas ao olhar para os lados está na maca da ambulância a caminho do hospital.

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