Pretos, negros, afro-descendentes…
Negros, brancos, amarelos, índios, somos todos iguais, blá blá blá.
Esse foi provavelmente um dos chavões mais repetidos durante o século XX – e apesar de não existir ninguém que não tenha alguma forma de preconceito (seja religioso, étnico, de gênero, poder aquisitivo ou qualquer outro), é inegável dizer que luta pela igualdade racial não tenha surtido algum efeito.
Passamos por tempos tumultuados: escravidão, criação de grupos de extermínio, apartheid… Mas não se deixem enganar… estamos longe de transformar isso em passado.
A discriminação racial ainda ocorre seja pelo fato de termos um feriado da consciência negra, ou presenciarmos as eleições americanas virarem um espetáculo devido a vitória de um presidente afro-descendente, ou ainda por termos ótimos tópicos sendo mal interpretados e principalmente por vivermos sob uma medonha lei de cotas.
E claro que toda essa confusão também teve vez no cinema… e é sobre ela que eu vou falar hoje.
Posso afirmar sem medo que durantes os primeiros 20 anos de existência, o cinema passava por sua infância, experimentando e descobrindo como iria caminhar. Isso acabou em 1915 com a estréia do filme Nascimento de uma Nação, de D.W.Griffith. Muitas das técnicas cinematográficas que conhecemos hoje, começaram a ser pensadas nesse, que talvez tenha sido o primeiro dos clássicos. Porém, isso não compensa o fato desta se tratar de uma obra extremamente racista, mostrando de forma “casual” a limpeza étnica feita pela Ku Klux Klan. Devido a uma de suas mais famosas cenas na qual é mostrado o linchamento de um negro, o filme foi proibido em diversos países.
Parece que os filmes que revolucionaram o cinema no começo de sua história, eram marcados pela discriminação racial. Foi o caso do primeiro filme com som O Cantor de Jazz. Tal obra era baseada no “minstrel show”, uma forma de espetáculo estrelado por atores brancos, com a cara pintada de preto, tentando personificar de forma caricatural os afro-americanos – sendo retratados como ignorantes, preguiçosos, supersticiosos e musicais.
O Oscar – maior prêmio da maior indústria cinematográfica do mundo, sempre teve um papel extremamente político, o que explica porque durante muito tempo foi mantido uma espécie de “cotas” na premiação, praticamente garantido uma (única) indicação para um ator afro-americano.
Dessa forma, o primeiro oscar dado a um negro, só aconteceu em 1939, onze anos após a criação do careca dourado, para Hattie McDaniel, como melhor atriz coadjuvante em E o vento levou….
Um negro só ganhou um dos prêmios por papel principal em 1964, com Sidney Poitier em Uma Voz nas Sombras. Inclusive gostaria de comentar sobre um outro filme que ele protagonizava: Adivinhe quem vem para o Jantar ?, esta que eu considero uma das mais efetivas obras contra o racismo já criadas. Tudo porque se trata da história de um homem negro bem sucedido pedindo junto a sua namorada branca, filha de um liberal convicto (que sempre pregou contra a discriminação), ao seus pais permissão para o casamento. Dessa forma é mostrada toda a hipocrisia por trás dos rótulos, já que se destrói desde o início argumentos como “mundos diferentes” ou “fundos sociais antagônicos”.
Ainda durante a década de 60, os EUA passou por um dos capítulos mais vergonhosos de sua história, retratado no filme Mississipi em Chamas, de 1988, quando três ativistas dos direitos humanos foram assassinados devido aos seus trabalhos no Sul segregacionista. O episódio, muito bem abordado pela obra, mostra o quão hipócrita, covarde e nojento podemos ser, deixando uma das frases mais emblemáticas e verdadeiras proferidas na 7ª arte:
Quem assiste o que se passa e não faz nada também é culpado.
Talvez, então, todos sejamos.
Apenas em 2002, por A Última Ceia, temos o primeiro Oscar de melhor atriz dado a uma negra – Halle Berry. Se alguém duvida das pretensões políticas da academia basta dizer que Denzel Washington ganhou o Oscar de melhor ator no mesmo ano, sendo que até então apenas seis afro-americanos haviam levado a estatueta.
Porém, acredito que o maior passo dado pela indústria em tempos recentes, em termos de aceitação racial (sem colocá-la em um patamar diferenciado) foi a pouca polêmica causada pela atuação de Robert Downey Jr. em Trovão Tropical.
Ainda sim me pergunto quando é que esse assunto deixará de ser tabu, e finalmente deixaremos de encarar as conquistas de negros como Obama, Will Smith e Hamilton de forma diferente as de Clinton, Javier Barden e Schumacher ?
Eu quero ter a liberdade de chamar um amigo de “negão fiadaputa”, e ouvir um “branquelo de merda” em resposta, sem que eu esteja cometendo um crime.
É pedir muito ?