Procrastinação e Hemingway
A cada uns seis meses chega o dia em que eu entro no Bacon Frito pra saber se esse lugar ainda existe, sempre pra me deparar com ele ainda existindo e pensando “Pizurka, não sei se me impressiono com vossa paciência ou vossa teimosia”. Hoje é esse dia. E já que tenho familiares para ligar e projetos a escrever, optei por escrever um texto comparando The Old Man and the Sea (Ernest Hemingway, 1952) e o ato (Ou efeito) de procrastinar.
Dois anos atrás Roberto DaMatta me mandou ler O Velho e o Mar, então o li (Bem, não eu em específico, mas não nos apeguemos a detalhes). Se você não sabe nem quem DaMatta nem Hemingway são, você provavelmente foi sábio o bastante para não seguir a área de humanas, ou ainda está no ensino médio (Se for o caso, meus pêsames), ou escolheu humanas sem gostar de ler (Se for o caso, meus pêsames).
Descrevo a história basicamente toda a seguir, não vem me reclamar de spoiler de um livro mais velho que a virgindade da sua avó.
Santiago era um velho pescador que já não conseguia pescar peixe nenhum há 84 dias. Os residentes atribuíam a culpa dessa falta de peixe no azar, e por isso Santiago era chamado de “salao” (Gíria espanhola, “azarado”). Manolin era um moleque que queria ser pescador e colava no Santiago, mas seus pais não deixaram mais ele andar com o velho por causa do azar dele. Por causa disso Manolin foi pescar com outros pescadores, apesar de visitar o velho com frequência.
Santiago é você, o azar é sua procrastinação, Manolin é qualquer força exterior que te faz se arrepender da procrastinação (Sejam seus professores esperando que cumpra aquela deadline, ou seus amigos te chamando pra sair, mas você ainda não começou aquele trabalho que é pra segunda). Duas coisas importantes para entender sobre essa analogia. Primeiro, Hemingway não escreveu essa história sobre procrastinação. É uma analogia. Segundo, explicito quem é o quê pra agilizar o processo, afinal procrastinação is a bitch.
Chamam Santiago de azarado. Mas você faz sua própria sorte. Não digo isso por causa de alguma crença ingênua de que esse (Ou outro) mundo seja justo ou por achar que karma é mais do que uma má-interpretação pop de um conceito que ninguém se dá o trabalho de estudar. O universo joga coisas em você, mas você escolhe como lidar com elas. Claro, talvez Santiago não tenha pescado nenhum peixe por 84 dias por coincidência (Fundamentalmente diferente de sorte). Mas ao longo do livro você descobre que ele é um excelente pescador, então por que não pesca nada por quase três meses? Não é má sorte, ele não quer pescar peixe nenhum. Chame de falta de inspiração, de preguiça, de writer’s block, de… Procrastinação? O ponto é, você é responsável pela sua satisfação pessoal, então tome responsabilidade (Transtornos mentais à parte).
No 85° dia, Santiago sai sozinho no seu barquinho pra ver qualé. Daí que em pouco tempo um peixe pega a isca. Mas é um peixe grande. Nesse momento começa a luta do velho com o peixe, que não desiste. Agora imagine você, há dias que não faz nada de útil pra ninguém. Teus bróders / tuas miga te chamam pra uma cervejinha, mas nem pra isso você tem energia. Você não sabe bem o que você quer. Até que aparece uma oportunidade. Algo que te faz ter vontade de levantar a bunda da cadeira, parar de olhar o Facebook a cada cinco minutos (Não, ele / ela ainda não mudou o relacionamento para “solteiro(a)”) e finalmente tomar um banho. Seja um curso, um emprego, uma viagem, uma pessoa, o objeto em questão não é importante. Estamos focando no processo.
Esse é o bulk da história. Você passa dezenas de páginas sentindo a aflição de Santiago. Depois de dois dias e noites (Pescando peixes menores pra se alimentar e usando o arpão para finalmente matar o grande marlim), o velho vence o peixe. Foi fácil? Não. Coisas que valem a pena dificilmente são. Santiago podia ter deixado o peixe pra lá, desistido, pensado “puxa, eu sou azarado mesmo”. Ele podia ficar no conforto da cama quentinha dele por mais duas horas, ao invés de acordar mais cedo como tinha planejado pra dar aquela corrida, ou aquela meditada, ou aquela lida naquele livro que você não toca há meses. “Só mais quinze minutinhos.” Não, não tô falando do Santiago.
Santiago decide (Antes de vencer o marlim) que não o usará como comida. O peixe é bonito e respeitável demais para tal (Deixemos de lado a discussão ética de se matar um peixe por matá-lo, é interessante, mas não cabe aqui). A questão não é o resultado utilitário que aquela ação trará, mas a viagem percorrida. O que é mais valioso? Comer peixe pro jantar ou terminar com os 84 dias de “azar”? Se a questão fosse só a comida, Santiago podia comprar um peixe e pronto. Claro, ele não era rico, mas também não era miserável. Da mesma forma que acordar cedo hoje ou amanhã não trará diferença “prática” pra sua vida, afinal o que é só mais um dia?, o que te trará acordar cedo é começar o hábito de acordar cedo, quebrar os 84 dias de azar e ir atrás do que quer (Obviamente, acordar cedo aqui é mais uma analogia. Não é pra todo mundo que fará sentido acordar cedo, nem é algo que todo mundo deveria almejar. Vidas diferentes, objetivos diferentes, rotas diferentes. Substitua “acordar cedo” por “começar a ir na academia”, “voltar a ler como lia antes”, “escrever os malditos trabalhos da faculdade”, etc).
Um ponto interessante a ressaltar é que Santiago pescou outros peixes enquanto o marlim estava fisgado. Foi finalmente quando ele teve o drive pra focar em algo que queria que ele conseguiu pescar outros peixes, coisa que já não fazia há… Adivinhou, 84 dias. Quando você tem energia para correr atrás de algo, verá que essa energia respingará em outras atividades que estava adiando. Ficar no sofá só te dá energia pra continuar no sofá.
P.S.: Talvez continue ou revisite esse pensamento no futuro, mas espero que por enquanto seja food for thought o suficiente.
Smith ainda não desistiu do site. Apesar de ter desistido, o que é meio contraditório e até mesmo confuso. Quer me deixar mais louco também? Me manda um texto sem formatação igual esse FDP.
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