Revolution: A série e a realidade.
Há um mês, mais ou menos, eu comecei a ver uma série chamada Revolution. Sabe? Sem grandes rodeios, a série é tipo um The Walking Dead, só que sem zumbis e sem energia. Na série, o mundo perdeu toda sua energia, então nada mais funciona: Nem luz, nem motores, nem a sua internet, IMAGINA QUE HORROR! Brinks. Mas é isso mesmo. A falta de energia faz com que uma população, outrora muito bem desenvolvida, tenha que se adaptar aos modos praticamente medievais de sobrevivência. Não há dinheiro, há escambo, há trocas de mercadorias, e o governo? Eis a questão: A falta de comunicação, já que não há meios de se difundir as notícias, a não ser o bom e velho boca a boca, faz com que tudo seja descentralizado. Formam-se espécies de clãs, que se unem, lutam e vivem por um ideal que seja comum para todos os pertencentes a tal grupo. No entanto, é claro que existem aqueles com opinião mais forte, com gênio opressor e que querem, a todo custo, impor suas vontades. E o que é isso? Ditadura. E por quê? Porque quando não há um consenso, não há meios de se espalhar a realidade de todos os lugares, para que todos possam saber o que acontece, as pessoas se tornam ignorantes, e isso nada tem a ver com burrice: Ignorar a realidade, por falta de conhecimentos e meios de se chegar até eles, faz com que a população fique submissa a quem fala mais alto, a quem tem a arma mais poderosa, a quem tem um lugar quentinho para dormir, a quem tem um bom estoque de comida e a quem sabe usar bem as palavras.
Detalhe importante: A série se passa nos dias de hoje.
Isso não soa familiar? Eu ainda não terminei de ver a temporada toda da série, mas foi impossível não ligar sua trama ao que estamos vivendo hoje. A geração de hoje vive bombardeada por redes sociais e veículos de comunicação. Nada disso é novidade ou estranho para aqueles nascidos à partir de 1980, a chamada Geração Y, e os que nasceram antes já tiveram bastante tempo para aceitar a revolução digital e tecnológica e entender que tudo mudou – e deveria ser para melhor. Porém, a geração de hoje tem como característica o imediatismo e a vontade de melhorar aquilo que não está bom, custe o que custar. Acontece uma espécie de egoísmo coletivo, uma vez que são as vontades individuais que são saciadas, mas a vontade de saciá-las é geral.
A essência da Geração Y está tomando conta das manifestações no Brasil.
O jovem desta geração busca sua realização. Vive um certo egoísmo, sem causar danos aos demais. Se comunica da forma que achar mais conveniente, seja ao vivo, por celular, internet, etc. Há muitas possibilidades, e todas são de seu conhecimento. Porém, da mesma forma que se familiariza com determinada tecnologia, logo perde o apego a ela, passando a utilizar uma nova plataforma. E isso a gente vê todos os dias nas redes sociais, quando uma dá lugar à outra, e quando notícias são esquecidas no dia seguinte, e dão lugar a novidades constantes.
Assim como os pertencentes à Geração Y vivem em tribos e buscam se encaixar no meio daqueles que pensam parecido, agem parecido e tem os mesmos interesses, os manifestantes também estão se agrupando, de acordo com o interesse nas reivindicações. Assim como em Revolution, em que os sobreviventes dessa nova situação de vida se agrupam e vivem em espécies de clãs. Nota-se, então, semelhança nos comportamentos.
Hoje, efemeridade e liquidez são palavras sinônimas de Geração Y. Ser pertencente a esta geração é fazer parte daqueles que nasceram com a internet batendo à porta, com mil tecnologias brigando umas com as outras para chamar a atenção e dominar qualquer situação. A geração dos jovens de 20 e poucos anos, nascidos entre 1980 e 2000, e os da Geração Z, nascidos após de 2001, é marcada pelo efêmero, pelo transitório, por aquilo que não dura mais do que uma estação. Focando na Geração Y, entende-se que seus representantes são os “nativos digitais”, que cresceram sendo influenciados diretamente pela internet. E a internet é a protagonista das manifestações que estamos vendo todos os dias nas timelines alheias e nos noticiários.
A disponibilidade ilimitada de meios de comunicação, no entanto, não tem sido, de todo útil para guiar as manifestações, que iniciaram com uma revolta online, no próprio Facebook. Em vez de haver comunicação e trocas de ideias, está havendo uma imposição de ideias e pensamentos, e quem não pensa parecido com o seu ponto de vista é excluído, taxado como burro ou como apoiador do caos e da desordem. Há uma multidão conversando sozinha em suas timelines, comentando, opinando e concordando com elas próprias, e não com as demais pessoas. Todo mundo tem a sua opinião, e não leva em consideração os pontos do próximo, a não ser que eles se assemelhem aos seus. O que era uma manifestação acabou virando uma necessidade desenfreada de se mostrar publicamente, capturar as mais perfeitas e históricas fotos, e dar shows particulares nas timelines alheias. Tem, inclusive, uma grande parte de pessoas que sequer sabe o motivo de estar fazendo parte de um movimento nacional, mas acaba fazendo porque todos fazem, tomando um líder qualquer e comum como referência, e indo às ruas cobrar não se sabe o que. E isso é o quê? Necessidade de pertencimento, de fazer parte de uma tribo e ser reconhecido dentro dela. Isso não é revolução. É insegurança, é necessidade de se sentir aceito por alguma tribo ou grupo, e deve ser tratado com um psicólogo.
Impaciência e imediatismo são outros pontos que marcam o comportamento da Geração Y, de modo que, se algo os incomoda, não pensam duas vezes antes de mudar a situação. A velocidade toma conta do dia a dia desta geração. Parecido com algo que você está vendo ultimamente? A insatisfação com a imposição do governo levou os jovens às ruas, tratando de resolver logo qualquer problema, nem que fosse na marra. O jovem de hoje tem um perfil multitarefa, capaz de viver sua vida normal, trabalhar durante o dia, ir às ruas fazer uma manifestação que atinge o país todo, e voltar para casa seguindo a vida normalmente. Viver cercado por tecnologias e mil abas é o que permite esse estilo de vida para o cidadão de hoje. E, considerando que a geração dominante é a nativa digital, é óbvio que as reclamações teriam início online, simplesmente porque este é o meio mais rápido, direto, preciso e sem custo algum que vai fazer com que suas ideias sejam transmitidas para todo o lugar do mundo em tempo recorde. A internet é hoje algo pertencente ao cotidiano, tão comum quanto acordar e tomar café da manhã. E é por isso que as manifestações ganham força neste meio, pois não impressiona e nem intimida quem já nasceu envolto pela internet, ou já conviveu tempo suficiente com ela para que ela faça parte de sua vida e sua rotina.
Estudos sobre a geração mostram que os jovens pertencentes a ela já foram considerados irresponsáveis, desligados, superficiais e até egoístas. Mas a realidade não é bem essa: Eles entendem que a atualidade não é igual a tempos passados, o que faz com que eles lutem por seus direitos, uma vez que os recursos são maiores e mais eficazes. O problema começa quando essa força e essa motivação faz com que se perca a linha.
A ansiedade, característica dominante nos membros da Geração Y, faz com que eles queiram resolver tudo com urgência e rapidez, sem necessariamente ter apenas um foco em mente. Familiar? Os manifestantes foram às ruas lutar por direitos, mas por tantos direitos que eles nem sabem o que querem que seja atendido. Eles = grande parte, não todos, é claro. Mas vamos focar naqueles que estão agindo por agir, que são os que estão destruindo um movimento que era lindo, revolucionário e histórico e o transformando em algo destruidor, violento, e que desperta o medo. A geração enxerga a comunicação como algo sem barreiras e, por isso, fala o que pensa e o que deseja sem filtros também: quer, e pronto. O egoísmo sem maldade grita, e acaba ficando inconsequente.
Ao falar sobre o efêmero, Lipovetsky diz que a moda é um sistema de regulação e pressão sociais: Ela é acompanhada como se fosse um dever, uma necessidade, e, se não for seguida, o cidadão deixa de pertencer a alguma tribo. Além disso, ela segue tendências e, rapidamente, deixa de existir e dá lugar a outras novas. Desta forma, representa a sociedade em determinado momento e, em seguida, some e perde total evidência, e quem segue moda passada é tido como ultrapassado, sendo até ridicularizado. E creio que é esse caminho que as manifestações estão tomando. É moda, é cool dizer que você apoia os manifestantes e faz parte do movimento. No entanto, como os protestos já estão durando um certo tempo (Que, convenhamos, é longo para a internet), a febre logo vai baixar e acabar. E aqueles que insistirem nela vão ser tidos como chatos que não conseguem evoluir. E isso, inclusive, já tem acontecido. Aqueles que exaltavam as manifestações e achavam que elas eram incrivelmente revolucionárias já estão mudando suas formas de pensar, e cogitando a hipótese de que ela não seja tão boa ideia assim. A descentralização, a desorganização e a falta de um foco tem feito ela se perder dia após dia, e dar espaço àqueles que apenas querem vandalizar e aproveitar a situação para assaltar, depredar e desvirtuar o movimento.
Um outro autor, Tapscott, afirma que o jovem da Geração Y quer ter opções, liberdade de escolher, e não busca restrições: Busca possibilidades. Tudo se baseia no imediatismo e no transitório. Não vão atender às reivindicações por bem? Vão atender por mal, com movimentos na rua, barulho, manifestações. Se o jovem quer, quer pra agora. Não depois.
Os jovens da Geração Y tem dificuldade em aceitar líderes, e acabam nomeando heróis semelhantes a eles mesmos, não idealizados e facilmente alcançáveis. Não aceitam líderes que impõem suas verdades: Querem representantes que tenham vontades e pensamentos semelhantes, que mostram que são como eles. Os jovens dessa geração tratam todos de igual para igual, lidando com a autoridade de forma mais simplificada. Isso é visto claramente nas manifestações, quando manifestantes se reúnem com governantes e conversam de igual para igual, ignorando que quem está no poder tem, de fato, o poder, e a população tem o dever de seguir as leis, numa democracia, e não numa ditadura. Os jovens, impondo suas vontades, estão fazendo uma ditadura reversa, praticamente, em que seus desejos devem ser atendidos, sem que haja uma organização do que de fato é necessário e o que é apenas um capricho.
O jovem de hoje está unindo suas características marcantes com aquelas que dominavam os jovens de antigamente. A Geração Y cresceu com a interatividade global, não tendo que aprender o que é globalização, uma vez que já nasceu com ela presente. Além disso, é típico desta geração não dedicar muito tempo a atividades externas, ou seja: É a geração ~Sentar na frente do computador e esperar acontecer. Ou era. É aí que o comportamento da geração dominante se funde com o de gerações passadas, que iam à luta, brigavam pelo que queriam, não faziam apenas revoluções online e, sim, cara a cara (Até porque era esse o meio que tinham).
O que os manifestantes talvez não tenham levado em conta quando iniciaram os protestos foi a efemeridade que cerca seus cotidianos. Tudo muda o tempo todo, as vontades se modificam com rapidez, as coisas perdem a graça com grande velocidade, e o tédio e o desapego tomam conta daquilo que antes movia o mundo deles. E, por “antes”, eu quero dizer 5 dias atrás. Da mesma forma que a revolução dos manifestantes se iniciou de repente, com força total, essa mesma força pode (E provavelmente vai ser assim) ser usada para abafar tudo e procurar uma nova inquietação, incomodação e motivo para ir à luta. Estar em contato com o meio digital não significa, somente, liberar informações de modo desenfreado: Significa interagir, dialogar, trocar mensagens, conteúdos, informações, experiências. É preciso poder falar, saber falar, mas saber ouvir.
Assim como na série que estou vendo, está sendo instalado o caos por falta de comunicação e centralização nas ideias. Falta foco, sobra foto para documentar tudo e abrilhantar os perfis das redes sociais. Em Revolution, não há energia elétrica para que haja comunicação com a população toda. No Brasil, não está havendo sintonia. E não por culpa da eletricidade, mas pela vontade de falar, e não saber ouvir. O caos se instala, uma ditadura ameaça aparecer, o Brasil que havia despertado despertou, também, o medo. E isso não pode ser correto. Aqueles que tinham um lindo ideal ganharam como aliados os vândalos, que se infiltraram e geraram a repressão por parte da polícia. Desta forma, quem estava lutando por seus direitos passou a ser o inimigo quando, na verdade, deveria ser somente aquele que tem voz e não se cala diante daquilo que está errado. Lutar é lindo e louvável. Não saber o motivo da luta e não entender que ela pode estar causando um caos desenfreado, não é nem um pouco lindo, sequer louvável. É preciso foco, planejamento, saber quando ir à luta e quando recuar. Inocentes não devem pagar por isso. Uma revolução tem seu preço, obviamente. Mas ela pode, ainda que luta, ser linda e digna. Num mundo isolado e virado em caos, se entende que tudo corra de forma errada. Num mundo em que temos tudo a nossa disposição, é inaceitável que se viva em sociedade, porém isolados em seus próprios pensamentos.
O jovem de hoje precisa obter o que deseja com rapidez, caso contrário, se cansa do que se repete por muito tempo e não é solucionado, deixando pra trás, muitas vezes, alguns ideais para buscar novos. A Geração Y entende que tudo muda o tempo inteiro, de modo que a moda se rompe, os desejos e as necessidades pertencentes à essa geração também.
O efêmero domina a geração. Não se pode negar. E as reações que tomaram conta do Brasil podem deixar de existir tão rápido quanto surgiram. Uma reação que começou na internet, que tem tudo com prazo de validade contado, será que não tem sua validade contadinha também? Será que não é a nova gracinha da internet que vai ser substituída por uma nova febre, estilo Para Nossa Alegria? Se ela não for tratada com seriedade, e for apenas berço para sair bem em foto, vai se perder como um viral que chegou, causou estrago, e sumiu. Mas se a gente aproveitar tudo o que temos a nosso dispor, ela pode ser linda, e vamos poder fazer o gigante realmente acordar, sem precisar tirar cochilos ou voltar a dormir de vergonha de não saber onde quer chegar.
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