Sete razões para evitar ’13 Reasons Why’
TRIGGER WARNING: Esse texto está cheio, lotado de spoilers. Não poderia ter mais spoilers do que já tem. Então, se não terminou de assistir ao seriado, ou pretende cometer esse erro, não leia.
13 Reasons Why foi a sensação das redes sociais nas últimas semanas, tanto pelas controvérsias, quanto pelo papel que acabou assumindo na luta contra o bullying e o suicídio. A série, baseada no best seller de Jay Asher, conta a história de Hannah Baker (Katherine Langford), adolescente que se suicida e deixa fitas destinadas às pessoas que, de uma forma ou de outra, em seu ponto de vista, contribuíram para sua morte.
Não vou entrar no mérito de que, obviamente, ela era um alvo na escola. E que, apesar das polêmicas sobre como a obra trata o assunto, deu acesso e voz a centenas de jovens que talvez não refletissem sobre as consequências do assédio moral diário. Quanto a romantização do suicídio, eu também discordo, pois apenas no último capítulo vemos a jovem efetivamente morta. Como narradora, ela se faz presente na história todo o tempo. É importante esclarecer que 13 Reasons Why é mais sobre bullying do que qualquer outra coisa. A morte de Hannah Baker é apenas um fim, dos muitos outros destinos que a jovem poderia ter tido. Portanto, apesar dos pontos positivos – sendo a grande maioria colaterais – a série é mal desenvolvida e, arrisco dizer, mal escrita. Talvez os 30 anos que pesam nas costas ou o fato de, eu mesma, ter sido alvo de escárnio público e violência na época do colégio, tenham sido fundamentais para o meu desconforto em relação à narrativa. Independente da seriedade do assunto, dos trigger warnings e da relevância de debater a relação doentia dos jovens atrás dos muros das escolas, é necessário discutir as nuances da série teen. E não apenas como entretenimento. So here we go:
#7: Ninguém sabe o que está se passando na vida do outro. Nem você, Hannah Baker
Acho que o grande problema da série é assumir Hannah Baker como vítima absoluta das circunstâncias, quando a própria deixa uma série de fitas culpabilizando e ameaçando os colegas pela colaboração em sua morte. Justin (Brandon Flynn), o primeiro da lista, é fruto de um lar desfeito, lida com um padrasto abusivo e sua mãe é viciada em drogas. Alex (Miles Heizer), o segundo, sofre com a rigidez do seu pai policial e, desde que se vê envolvido como um dos “motivos”, mostra um comportamento mais volátil, depressivo e autodestrutivo do que o normal (Pra ele, que já tinha uma personalidade desajustada). Jessica Davis (Alisha Boe), a amiga escrota, descobre que foi estuprada através das fitas, o que a conduz a uma espiral de más decisões, arruinando sua trajetória como líder de torcida e recorrendo a litros de álcool para lidar com a confusão emocional que a revelação traz. Clay (Dylan Minnette) leva dias para ouvir o relato dolorido de Hannah, o que intensifica seu quadro de ansiedade, levando-o a ter, inclusive, visões.
#6: Alguns fatos relatados são questionáveis
Tony (Christian Navarro) deixa claro que a história que Hannah conta é o seu ponto de vista e deve ser respeitado. Encontramos algumas inconsistências ao longo da série que não invalidam seu sofrimento e são perfeitamente naturais, pois é comum que a memória sobre determinados detalhes se modifique com o tempo. Nós preenchemos as lacunas do cérebro com o que acreditamos. Então, eu não estou dizendo que Hannah Baker é mentirosa. Estou dizendo, sim, que seu relato é questionável em, pelo menos, três situações.
Jessica revela que a primeira pessoa a deixar de frequentar o Monet’s foi a Hannah, não Alex ou ela. Apesar de terem se afastado da jovem após o inicio do namoro, esse fato serve de precedente para a cheerleader duvidar de todas as coisas ditas nas fitas, inclusive em relação ao próprio estupro. Afinal, se ela “mente” sobre isso, uma coisa pequena, por que não faltaria com a verdade sobre os outros envolvidos?
Posteriormente, Zach Dempsey (Ross Butler), culpado por roubar os bilhetes carinhosos que a jovem recebia nas aulas de comunicação e acusado nas gravações de ter jogado fora uma carta deixada por ela como isca, revelando como se sentia sozinha, mostra a Clay que guardou a carta em sua carteira por todo esse tempo e que, se nunca contou a ninguém sobre como ela estava mal, é porque não pensava que ela pudesse tirar a própria vida. Bem coerente com um rapaz de 17 anos. Por fim, o próprio Clay verbaliza para Tony que “ela não está falando a verdade” sobre como se desenrolou o encontro dos dois na casa da Jessica.
São coisas pequenas, detalhes, diante das verdades que ela conta. Mas que, ainda assim, impactam os envolvidos. Zach tem seu carro vandalizado por Clay, Jessica custa a acreditar no seu estupro e Clay passa onze fitas sentindo-se responsável pela morte da garota que ele gostava quando, na verdade, foi apenas um coadjuvante de uma noite desastrosa.
#5: Pelo menos metade da lista é inocente…
Ainda que estivesse relatando os fatos de forma minuciosa, Clay sequer deveria estar nas fitas. E ela diz isso. Hannah inclui seu crush na roda para enriquecer a narrativa, mostrando como a festa da Jessica foi, acima de qualquer coisa que aconteceu dentro da escola, decisiva para sua deterioração mental e emocional. Em uma série que discute, entre outras coisas, o conceito de consentimento, é um tanto quanto irresponsável e contraditório culpabilizar um moleque de 17 anos que, quando a garota diz não e pede para ele ir embora, simplesmente respeita sem protestar.
É claro que se trata da dor dela, mas a proporcionalidade das razões varia de forma absurda. Não tem como colocar no mesmo saco um garoto que a elege como “a melhor bunda da escola” e um estuprador. Ou o cara que rouba bilhetes carinhosos que Hannah recebia com Tyler (Devin Druid), o stalker que ficava na janela dela tirando fotos. Ryan (Tommy Dorfman), que divulga seus poemas de forma anônima em momento algum a difama, como Courtney (Michele Selene Ang) faz no baile ou a viola como Marcus (Steven Silver), que a toca sem consentimento pois acreditava que fosse fácil, por causa dos boatos sobre sua reputação. Os pesos das ações são diferentes e, aparentemente, todos acreditam ser cúmplices, enquanto a maioria dos jovens envolvidos não cometeu crime algum.
Infelizmente, na lei, ser escroto ainda não é crime.
#4: …E, entre os criminosos, está Hannah Baker
Vocês sabem o que é crime? Testemunhar um estupro e não tentar impedir ou, sequer, reportar à polícia. Como mulher, eu entendo como Hannah travou ao ver o abuso sofrido por Jessica nas mãos de Bryce Walker (Justin Prentice), um cara forte, sem ética ou escrúpulos. Mas, ao sair da festa, quando liga para a emergência após Sheri (Ajiona Alexus) bater com o carro no sinal de pare e, possivelmente, ter causado a morte de Jeff (Brandon Larracuente) em um trágico acidente de carro, deveria ter denunciado também uma festa de menores, regada a álcool onde presenciou um abuso sexual. Se não quisesse envolver as autoridades poderia ter contado diretamente à vítima, dando a ela a oportunidade de ser examinada e tirar o estuprador de circulação, evitando que outras meninas sofressem a mesma violência. E, ainda que Jessica escolhesse não fazer nada com a informação, seria muito mais adequado informá-la em um momento de privacidade do que em uma gravação que outras 12 pessoas iriam ouvir. Inclusive o estuprador.
Podemos incluir no hall de criminosos que poderiam realmente se prejudicar com o vazamento das fitas o problemático Tyler, que a perseguia e registrava momentos íntimos com sua câmera, Justin que também não evitou ou denunciou o estupro de Jessica e Bryce, por disseminar fotos íntimas da Hannah… E, by the way, por ser um estuprador.
Sheri, a jovem que derruba a placa de pare, cometeu uma infração de trânsito e foi egoísta ao não reportar o acidente mas, apesar de podermos supor, não há como comprovar criminalmente que esse foi o fator decisivo para a batida. No mais, isso é bad writting: Bastava telefonar anonimamente para a emergência e relatar que havia uma placa caída na rua. Esse motivo sequer deveria existir.
#3: Hannah Baker não era tão diferente dos outros alunos
Não consegui empatizar com Hannah na maioria dos episódios porque ela me lembrava, justamente, as pessoas que praticavam bullying contra mim e bancavam as pessoas legais com quem era socialmente interessante. Apelidar Clay de capacete, porque ele andava de bicicleta protegido, e debochar do seu “jeito esquisito” não era legal, tampouco gritar com Zach Dempsey na frente da escola inteira quando ele a convidou pra sair e destratar gratuitamente Skye (Sosie Bacon), outra jovem potencialmente suicida, foram algumas amostras de que ela, como qualquer outro jovem, não é perfeito e precisa melhorar. Só o fato de gravar uma série de fitas e destiná-las a pessoas que, repito, como ela passavam por problemas pessoais desgastantes, mostrou que ela dá tantos fucks para a dor do outro, como deram para a dor dela.
#2: As fitas tomaram proporções maiores do que Hannah poderia prever
Ao longo dos episódios, testemunhamos a decadência mental de Alex, que perde completamente o senso de autopreservação, está constantemente deprimido, com dores de estômago não diagnosticadas e, por fim, dá um tiro na cabeça, consumido pela culpa e pelos problemas que ele já tinha. Nos dois últimos episódios, Tyler compra uma arma e a esconde em um baú, o que sugere que ele pensa em causar uma tragédia: Machucando a si mesmo ou abrindo fogo em Liberty High.
Clay se sai bem após todo o trauma de acompanhar a dor de Hannah, mas como um rapaz com problemas psiquiátricos preexistentes, a preocupação excessiva dos pais quando ele deixa de tomar banho, aparece com a cara detonada em casa, fica bêbado e apresenta alguns ataques de fúria é, no mínimo, justificável. Jessica também supera a vergonha e revela ao pai sobre o abuso sexual, mas a omissão de Hannah e Justin custou a ela provas físicas do crime e tempo para se tratar de forma apropriada, tanto do ponto de vista médico quanto psicológico.
#1: A série é teen, mas o público alvo é bem mais amplo
13 Reasons Why é uma série voltada, especialmente, para os adolescentes. Mas pais, professores e pessoas de todas as idades abraçaram a causa e se interessaram, pelo menos, em conhecer um pouco do universo adolescente contemporâneo. Ou seja: Todos se tornaram público alvo. Com todas as discussões a respeito nas midias sociais, foi impossível evitar o hype. Após o último episódio, você tem a opção de assistir a um mini-doc produzido pelos criadores, que dá mais propriedade ao assunto, fora do campo da ficção. Nele, uma especialista esclarece que a cabeça do jovem é diferente da de um adulto. Para eles, aquela dor, aquele problema, vão existir para sempre. Então, se você achou 90% dos problemas de Hannah Baker pedestres, você não é uma pessoa ruim. Apenas não tem a mentalidade de um adolescente.
Eu, honestamente, acho difícil que, mesmo um adulto jovem, consiga “comprar” todas as razões da Hannah sem apresentarem um background de problemas emocionais ou, pelo menos, histórico de bullying nas escolas por onde a jovem passou. Até porque, como eu já explorei exaustivamente em pontos anteriores, os coadjuvantes Alex, Jessica e Tyler, bem como o coprotagonista Clay, apresentam tanto nos flashbacks quanto no presente (Que, na verdade, é futuro: Novembro de 2017), comportamentos erráticos, enquanto a Hannah Baker, mesmo no dia de seu suicídio, parece radiante, como a própria mãe observa. Para não dizer que não houve qualquer sinal, suas notas caíram e ela foi até a tal festa na casa do Bryce, o que demonstra que ela não estava ligando para a sua segurança, já que ela sabe, por um fato, que ele é um estuprador.
É claro que não dá para colocar doenças mentais e sofrimentos emocionais em caixinhas. São coisas que se manifestam de formas diferentes em todos. Mas, por experiência própria – vasta, inclusive -, elas não passam despercebidas. Há sinais vermelhos, o tempo todo. As mudanças de humor, comportamentais e até alimentares indicam, em algum grau, que há um problema. Nesse aspecto, não estou desmerecendo a personagem fictícia ou a atuação, mas a incapacidade dos criadores do seriado de transmitirem o que se passava com Hannah Baker em seu íntimo até o último dia de vida, mesmo fazendo isso muito bem com os outros personagens. Não há romantização do suicídio, como espalharam pelas redes sociais, mas sim uma banalização. Nota-se, claro, que não é proposital e que não invalida a discussão, mas não apontar qualquer comportamento depressivo no dia a dia da jovem, levando em consideração que ela é a narradora, é a pá de cal que enterra 13 Reasons Why e faz parecer que a vítima não passa de uma drama queen. Sendo que esse é, justamente, o contrário do objetivo principal.
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