Sobre a importância de jogar corretamente
Vocês jogam pouco.
Quem acompanha essa coluna há algum tempo já me viu escrevendo esta frase por diversas vezes: vocês jogam pouco, vocês deviam jogar mais.
Por trás dessa minha singela frase não existe apenas um nerd hardcore, como muitos de vocês certamente pensam; alguém que passa todos os seus momentos livres jogando e procurando terminar o maior número possível de jogos, vasculhando cada canto do cenário por segredos, decorando comandos e xingando adversários online. Aliás, é impressionante quantos de vocês se dignam a escrever para o meu e-mail me pedindo dicas de jogos ou de hardware. “Ain, comofas pra estalar o jogo X nu DS?//” Eu lá tenho cara de F.A.Q., seus FDPs? Cês acham que eu não faço mais nada da vida além de jogar? E mesmo que eu não fizesse, por que CARALHOS eu gastaria meu tempo ajudando noobs a passar de fase ou a instalar hacks no PSP? Vocês se valorizam demais. E jogam de menos.
O problema na verdade não é quanto vocês jogam e sim com que qualidade vocês fazem isso. Eu nunca quis dizer que vocês deviam jogar mais e VIVER MENOS. Eu falo isso como uma filosofia de vida mesmo; vocês lembram da coluna da semana passada, onde relacionei jogos com mulheres? A idéia é a mesma agora: o que eu quero dizer é que vocês jogam pouco e se divertem pouco, seus motherfuckers.
A importância do vídeo-game não está apenas no escapismo da vida real, ou na sensação de completar alguma coisa ao se terminar um jogo. O valor intrínseco do vídeo-game reside na capacidade de DIVERSÃO que ele pode gerar. Eu tenho isso como uma regra muito simples: se o jogo deixou de ser divertido, eu largo. Foda-se que eu não terminei, foda-se que ele pode melhorar perto do final, foda-se que ele ganhou nota 10 na IGN, foda-se que ele foi feito pela Square, pela Nintendo, pela Capcom ou o caralho. Jogos precisam ser divertidos, ponto. Se você continua jogando algo que não está te divertindo, você é doente. Sério. Acredite em mim.
Porque, vejam bem, existe muita gente que JOGA PRA CACETE, mas não está se divertindo. Quer um exemplo? World of Warcraft. WoW deve ser simplesmente o maior gerador de doenças mentais em jogadores que até então eram saudáveis. Já vi muitos amigos falando que NÃO CONSEGUEM parar de jogar WoW. Outros jogam porque estão pagando. Outros jogam porque não dá pra parar agora que o personagem já evoluiu tanto. Outros jogam para poder vender o personagem e os itens depois. Ganhar uma grana vendendo pixels, “ganhar a vida” jogando WoW.
Vocês entendem como a linha entre jogar WoW e TRABALHAR NUMA FUCKING EMPRESA é tênue? E me digam QUEM se diverte trabalhando em empresa? A partir do momento que WoW vira um trabalho, uma obrigação, COMO você pode continuar se divertindo? E o que você faz pra se divertir daí quando não está jogando? Começa a trabalhar? Enfia farpas no olho? Toca fogo nos pentelhos do cu?
Vocês são doentes.
É uma tendência antiga essa de jogar sem se divertir. Desde a época do Enduro, ainda no Atari, eu lembro de amigos que simplesmente não conseguiam largar aquela bosta enquanto não passassem de todas as fases. Eu achava aquilo absurdamente entendiante depois que eu estava na fase da neve pela segunda vez, e NUNCA terminei Enduro. Eu nunca joguei River Raid por mais de meia hora também. Aliás, nunca fui um grande jogador de Atari, porque achava absolutamente todos os jogos repetitivos e enfadonhos. Era impossível jogar alguma coisa naquele console sem que o jogo entrasse num loop após aproximadamente 10 minutos. ME DIGAM um jogo de Atari que seja variado do início ao fim. Tédio. Minha mãe jogava mais Atari do que eu. Sério.
As coisas só começaram a ficar interessantes no Nintendo 8 bits mesmo. Pelo menos agora tinha uma história, pelo menos Ninja Gaiden e Tartarugas Ninjas tinham fases diferentes até o final do jogo. Aquilo prendia minha atenção, eu queria ver a próxima fase e fazer a história avançar. Agora sim. Agora eu me divirto jogando.
Daí pra frente eu realmente começei a minha formação como hardcore gamer, como o cara que quer jogar pra cacete um jogo bom, que quer ver o maior número possível de jogos e de consoles, que quer entender como a indústria gamística funciona, como um jogo pode ser apenas um punhado de pixels e sons, mas ao mesmo tempo pode mudar sua vida. Eu me considero um hardcore gamer, mas não porque eu jogue 18 horas por dia. Isso pra mim é noob gamer que não possui outras fontes de prazer. Noob na vida, noob nos jogos.
Eu jogo de forma consistente, prestando atenção nos jogos, tentando entender a intenção do desenvolvedor, o que ele havia planejado pra você em uma tal fase. Eu presto atenção nas músicas e nos efeitos sonoros, porque eu acho que eles complementam sua experiência de jogo. Eu não pulo cenas, eu não pulo vídeos, porque eu quero ver pelo menos UMA VEZ o que o enredo tem a ver com o que acontece enquanto eu jogo. Eu aprendi inglês só pra poder jogar Final Fantasy IV no Super Nintendo, porra. Isso é envolvimento genuíno com vídeo-games, e não ficar grudado de forma alienada num joystick, terminando pela décima oitava vez um jogo que você já decorou. Get a life, bitch.
Concentrar seu tempo em jogos bons e se dedicar inteiramente e com todos os sentidos enquanto joga. Isso pra mim é jogar corretamente. Ter uma vida decente e bons relacionamentos com outras pessoas, gamers e não gamers, isso é jogar corretamente. Comer sua picanha, tomar sua cerveja e mandar ver na sua mulher, isso é ser um bom jogador. A Bel diz ficar impressionada com esse lance aí que eu faço, de estabelecer relações esdrúxulas entre temas que normalmente não têm a ver com jogos:
Bom, isso só acontece porque eu tiro experiências de outras coisas na vida, além de games. Se você não tem uma vida fora dos jogos, fica meio dificil estabelecer relações mulherísticas que não sejam entre os peitos da Lara Croft e os peitos da Dark Elf de WoW.
Vocês jogam pouco. E ainda por cima jogam errado. Aprendam a jogar corretamente.
E não adianta me mandar mail perguntando comofas.