Sobre as adaptações
Todo mundo sabe que Hollywood passa por uma crise de criatividade de mais ou menos uns 30 anos e vive adaptando livros, quadrinhos, desenhos e tudo mais o que puder ser adaptável para o formato do cinema. De certo modo eu acredito que não há problema nenhum adaptar, ou copiar, ou qualquer coisa que seja, as vezes é interessante você ver a ideia de alguém “artístico” sobre um personagem que você gosta em um livro, ou ver em movimentos os poderes de seu super herói predileto.
O grande problema disso tudo é que adaptações são coisas polêmicas, que mexem com fãs de outros formatos que normalmente são mais exigentes do que a média do público do cinema, que geralmente é um público mais casual, uma vez que assistir um filme exige relativamente menos compromisso do que ler um livro, seguir uma hq/mangá ou jogar um vídeo-game, mesmo que as vezes aconteça de uma adaptação levar o espectador para a obra original. Eu mesmo fui agraciado com a linha Vertigo depois de assistir o filme Constantine nem vou falar que depois de ler Hellblazer, achei o filme um lixo. Imagino a cara de um fã de carteirinha de Homem Aranha, lá nos idos de 2000 e poucos quando saiu o primeiro filme, quando ele vê que o Aranha produz teia a partir do seu organismo, e não possui cartuchos de teia. Deve ter sido no mínimo estranho. Claro, isso são pequenos detalhes, porém para os fanboys mais chatos isso faz toda a diferença. O grande problema, acredito, não são os pequenos detalhes (A não ser que eles fodam com todos os pequenos detalhes), e sim certos aspectos de descaracterizam o personagem.
Continuando com o Homem Aranha e pegando o exemplo da Mary Jane. O que eu conheço dos quadrinhos, a Jane é uma mulher forte, sensual, com uma índole bastante marcante, enquanto a contraparte cinematográfica por outro lado me parece um pouco sem sal, desprovida de força, ou seja, é apenas uma garota em perigo. A própria personalidade do protagonista deixa a desejar, principalmente quando se trata do ácido humor do Cabeça de Teia durante as batalhas, uma das características marcantes do personagem nas hqs. Neste caso, a adaptação mexeu com aspectos centrais da obra, que se foca principalmente na personalidade dos personagens. Porém, neste sentido, foi uma adaptação, apenas isso, o cara pegou um conceito, um personagem existente e adaptou a seu modo, deu as cores que mais lhe interessaram.
Em contraparte, há o exemplo de 300, que foi quase que totalmente reproduzido das páginas, tendo inclusive cenas que reproduzem fielmente quadros da obra original. Blá, blá, blá, discussões técnicas à parte, o filme é do caralho, mas será que ele realmente acrescentou algo aos fãs, que são os mais “prejudicados” quando o assunto é a adaptação? Houve uma nova nuance nos personagens? Uma nova perspectiva? Ou apenas deu movimento a uma obra que em si já era muito boa?
Isto leva a uma discussão que é talvez a que tenha alguma importância: O que é ou não é uma boa adaptação? Pode ser fidelidade? Pode ser perspectivas diferentes, porém interessantes? Eu vou colocar aqui a minha ideia e depois debatemos nos comentário.
Bom, eu acredito que um bom modelo de adaptação não é aquele que segue canonicamente a obra, mas que respeita elementos que sejam basilares. O Batman do Nolan possui uma mescla de fidelidade com novos elementos, como por exemplo o batmóvel ou a própria roupa do herói. A grande jogada é que ele resgata uma coisa essencial, que é um pouco dos tons sombrios do personagem e da história, acabando com toda aquela coisa colorida e bizarra que saiu da cabeça do maluco do Tim Burton. Ao meu ver ele cria uma história “original” para o personagem, respeitando a essência dele mas inserindo novos elementos. Acredito que se ele apenas tivesse pegado uma história, por exemplo, a fantástica A Piada Mortal, e traduzido ela totalmente do quadrinho para o cinema, não seria mais interessante. Talvez o mesmo tanto, mas com certeza não mais. Claro que este tipo de adaptação acarreta em mais riscos, o Batman funcionou legal; porém o Aranha é um filme que se sustenta mais pelos aspectos técnicos e pela popularidade do seu protagonista do que por uma boa ideia. A mesma coisa no caso dos livros, apesar de eu achar que este deve seguir o guião principal e não interferir de maneira significativa no roteiro, os esquemas podem ser mudados, elementos suprimidos e tudo mais. Vamos exemplificar com Senhor dos Anéis, que possui uma adaptação/tradução que diria que chega a ser fiel, em certos aspectos. Bom, eu não vou lembrar de tudo que o Peter Jackson cortou ou inseriu, mas as duas contribuições mais marcantes para mim no filme foi minimizar o romance entre o Frodo e o Sam, no Duas Torres, e o corte do Tom Bombadil, no A Sociedade do Anel. A primeira foi ótima, ou você vai me falar que iria aguentar ver um filme do jeito que o Tolkien colocou no livro? Umas duzentas páginas de rasgação de seda hobbit? O cara sagazmente intercalou as cenas entre batalhas, hobbits legais com os ents, hobbits chatos indo queimar o anel, não mantendo nenhuma como a principal por muito tempo. A segunda pra mim foi relativamente boa, pois suprime uma parte importante da história, que é o primeiro perigo real que os pequeninos passam e tudo mais, mas imagine que saco seria aquele mala do Tom Bombadil ficar cantando “neneca, boneca” e o escambau? Enfim, claro que a adaptação teve problemas. A impressão que fica, por exemplo, no terceiro filme é que os fantasmas vencem a guerra de boa, minimizando todo o esforço humano(ide). Tem outras coisas tristes, como cortar o Expurgo do Condado. Mas enfim, não deixa de ser uma adaptação razoável.
Quero com isso dizer que adaptar pode ser uma coisa bastante interessante, pois você possui todo um novo plano, uma mídia diferente com possibilidades distintas daquelas encontradas em obras originais, como livros e hqs, que podem muito bem serem exploradas de maneira positiva, sem que para isso tenha de haver uma fidelidade caxias da obra adaptada. Por outro lado, deve-se evitar abusar demais da licença poética. Ninguém é obrigado a ficar escutando que o Watchman, o filme, é melhor do que o original por um diretorzinho pretensioso que acha que é melhor que o Alan Moore até porque não existe ninguém melhor que o Alan Moore, se ele tivesse escrito a Bíblia, perigava eu ser cristão.
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