Sobre o problema de emprestar livros
Eu, assim como vocês, queridos leitores, tenho uma estante em meu quarto recheada de livros que passaram pela minha vida e que eu decidi guardar. Sabe como é, as vezes queremos relê-los. E, assim como todo mundo, também já cometi o erro crasso de querer emprestar para que algum amigo sentisse as sensações que senti quando o lia. Livros como Cartas na Rua, de Charles Bukowski; Crimes na Rua Morgue, de Edgar Allan Poe; Porno, de Irvine Welsh; Clube da Luta, de Chuck Phalaniuk e 1984, de Geroge Orwell, que me transportaram para lugares distantes e fantásticos, vidas que nunca vivi ou viverei, em algumas das melhores viagens que já fiz sem sair da minha casa. Infelizmente, já julguei que seriam livros ideais para serem emprestados à amigos meus, como o fiz com Pé na Estrada, de Jack Kerouac, emprestado a 5 anos a um amigo, que imaginei ainda não ter sido contagiado pelo vício da literatura. É, tudo isso parece muito bonito, se não fosse por um detalhe: Esses livros nunca mais retornaram à minha estante, e eu sequer sei se eles foram apreciados e se o objetivo foi cumprido. Aprendi com isso uma coisa: Só empreste aquilo com que puder presentear.
Mas tudo bem. A vida é curta e a gente precisa aprender com os erros e não repeti-los mais, já que o que não faltam são erros novos pra serem cometidos. Infelizmente rarearam os livros que empresto. Teria que haver alguma inocência em mim ao querer que as pessoas tratem com o mesmo valor que eu dou pra essas coisas. Quando não voltam rasgados, os livros emprestados sequer realmente voltam. São re-emprestados. E re-emprestados. E por aí vai. E lá vou eu a livraria e volto pra casa com dois livros novos e um que já li, tive, e amei. E não resisti a tentação de querer te-lo pra mim novamente, para reler outra vez e lembrar de coisas que senti e já esqueci.
Eu tenho a perfeita consciência de que estou sendo bastante egoísta. Mas toda a minha possessividade se restringe aos livros que são fontes constantes de (ins)pirações. Acho ótimo que alguns de meus livros estejam a viajar por aí, de mão em mão, fazendo a cabeça de outras pessoas, ou não. O principal, alguém poderia dizer, é que eles não estão parados numa prateleira, pegando poeira. Sou totalmente favorável à doação de livros, para que cumpram plenamente sua função de espalhar ideias mundo afora. Mas como todo mundo aqui, tenho a certeza que todo leitor tem seus livros de cabeceira, livros de estimação. A verdade é que você só deve abrir mão, ainda que de forma teoricamente temporária, de edições que não farão você remoer pensamentos e desfazer amizades caso não sejam devolvidas. Mas o futuro está aí e promete mudar tudo isso. Duvida?
Agora imagine: Como será essa história de emprestar livros nesta era dos e-books? A partir do momento em que alguém adquire um livro digital para ser lido em um e-reader ou aplicativo, como fazer para doá-lo ou emprestá-lo? Pow, é possível, por exemplo, emprestar livros do Kindle. Mas, neste caso, só se pode fazer isso com títulos que integram uma relação previamente autorizada pelas editoras, e por apenas 14 dias. E se eu quiser simplesmente dar um e-book? Só poderei fazer isso se doar meu tablet ou e-reader com toda a minha biblioteca digital inclusa? Que sacanagem é essa? Ao invés de melhorar piorou?
Hoje em dia, as vendas de e-books começam a superar as de exemplares impressos. Mas será que alguém parou pra pensar nisso? É realmente um avanço muito grande poder carregar toda uma biblioteca em um único dispositivo. As próximas gerações de estudantes terão muito o que agradecer, pois viverão um futuro sem dores nas costas. Mas, além de não poder doar nem emprestar (Legalmente, claro) tenho ainda mais uma pergunta: E se eu quisesse pegar o autógrafo de um autor pra tornar ainda mais especial um livro, como farei? A meu ver, essa geração terá que ferrar com as produtoras de livros e de e-readers da mesma forma como nós já ferramos os produtores de filmes, series e as gravadoras. Mas será que a industria por trás da literatura aguenta isso? O mercado de e-books ainda está começando. Se eles querem continuar com essa belíssima justificativa de que ler livros digitais é melhor ecologicamente, eles terão que mudar suas políticas. Desde a invenção do mp3, muitos cds deixaram de serem prensados e muito plástico deixou de poluir o planeta. Com o advento dos tocadores de mp3, que cada vez são mais duráveis e possuem uma capacidade cada vez maior de armazenamento, vemos essa tendencia aumentar ainda mais. Com os e-books, isso também está acontecendo lentamente. Menos páginas impressas e menos papel gasto inutilmente. Mas se o que for economizado pela compra de um e-book ao invés de um livro físico, terá que ser gasto com a compra de um novo e-reader ou tablet ou ainda gasto pagando o preço do livro digital? É certo que o preço é menor, mas as possibilidades são muito maiores e melhores do que as que a industria quer. Já pensou se todo mundo só ouvisse mp3 que baixou no iTunes?
Leia mais em: E-books, E-Readers, Emprestar, Livros Digitais, Matérias - Literatura, Tablets