Syd Barrett
Em 1966 o rock and roll tinha mudado. Era o auge do verão do amor. Paz e amor broto. As letras políticas de Bob Dylan cheias de mimimi faziam parecer irresponsável a música executada apenas com propósito de diversão. As letras românticas dos primeiros tempos começavam a dar lugar ao lema sexo, drogas e rock and roll. Bons tempos? Nesta época começou a surgir o rock progressivo. Há quem ache que o marco inicial dessa coisa toda foi o disco Sgt Peppers. Eu acho que não. Pra mim, o Pink Floyd, com seu álbum The Piper at Gates Of Dawn, que inventou essa doideira toda. Ou melhor: Syd Barrett.
O embrião do que viria a ser uma das mais influentes bandas da história foi o grupo Sigma 6, formado por Roger Waters, Rick Wright e Nick Mason, na época alunos da Faculdade de Arquitetura de Cambridge. Como é comum a toda banda em seus primórdios, eles não seguiam muito um estilo, estando mais para uma colcha de retalhos. Variando do rock ao folk, e com algumas mudanças na formação e no nome da banda (coisas como Abdabs e T-Sets), eles seriam para sempre apenas mais uma banda qualquer. Mas eis que a sorte deles mudou: juntou-se a eles Roger “Syd” Barret, que havia estudado com Roger Waters na Cambridge High Scholl. Foi de Barrett a ideia do nome Pink Floyd Sound, depois simplificado para apenas Pink Floyd, uma homenagem a Pink Anderson e Floyd Council, ídolos de Syd.
Syd Barrett era muito mais do que apenas um músico. Movido principalmente pela inspiração e pelo LSD, Syd era compositor, poeta, pintor e artista performático. Planejados, orquestrados e comandados por Syd, os shows do Pink Floyd deixaram de ser apenas espetáculos sonoros. Usando truques simples com a iluminação do palco e a projeção de slides durante o show, o Pink Floyd procurava reproduzir no palco as viagens de ácido de Syd. Os shows iniciais dirigidos a um público underground rapidamente chamaram a atenção da indústria musical. Syd Barret e seu Pink Floyd inaugurava assim o rock experimental e cunhou o termo psicodelismo, definindo assim o seu estilo de música, entrando para a história.
Lançaram pela gravadora Thompson Records um single com as músicas Lucy Leaves e I’m a King Bee, obtendo assim a atenção necessária para que tentassem lançar o primeiro álbum. A gravadora EMI, que antes tinha esnobado a banda chamando-os de “experimentais demais”, mudou de ideia e os contratou. A banda entrou no estúdio Abbey Road para gravar seu primeiro álbum.
Curiosamente, no mesmo estúdio e na mesma época, os Beatles gravavam o disco Sgt Peppers. Nos corredores do estúdio foram compartilhadas drogas e opiniões musicais. Os discos resultantes disputam entre si o título de obra de arte até hoje para muita gente.
O sucesso do disco de estreia é atribuído à demência genial de Syd Barret. Vieram dele os arranjos sem estrutura definida, cheio de nuances e completamente imprevisíveis. A linha que limitava a genialidade e a loucura de Syd Barrett, porém, se tornou tênue demais. A cada momento os problemas mentais causados pela infância conturbada de Syd se agravavam pelo uso indiscriminado e excessivo de alucinógenos e ele começou a apresentar um comportamento esquizofrênico e alienado. A situação se agravou até o ponto em que Syd não conseguia mais tocar ou compor e se limitava a ficar no palco tocando um único acorde e olhando para um ponto perdido no espaço. Numa história famosa, o Pink Floyd foi ao programa de televisão de Pat Boone. Syd se recusou a fingir que tocava e ficou parado, com os braços caídos ao longo do corpo e olhando fixamente para a câmera. Os outros integrantes do Pink Floyd tiveram que encontrar uma saída. Mas como continuar a banda sem seu genial líder? Syd então foi sendo afastado aos poucos da banda e foi convidado para preencher seu espaço o vocalista e guitarrista David Gilmour, antigo companheiro de escola de Roger Waters e Syd Barrett.
Com Syd internado num hospício, mas ainda oficialmente na banda, o Pink Floyd continuou fazendo shows, inclusive indo para a sua primeira turnê americana. Inicialmente, Gilmour iria apenas substituir Barret nas apresentações ao vivo. Então se iniciaram as sessões de gravação do segundo disco, A Saucerful of Secrets. Uma história referente a esta época diz que Syd apareceu no estúdio mostrando uma música nova chamada Have You Got It Yet. Conforme ele ia ensinando a canção a banda ele mudava os acordes cada vez que a tocava, tornando impossível a sua aprendizagem. Após ter composto quase o disco inteiro e gravado algumas partes do álbum, Barret foi afastado da banda. A intenção original era de que Barrett continuasse a contribuir para compor e gravar, e como ele era o principal compositor, havia a esperança que ele desempenhasse um papel semelhante ao do líder dos Beach Boys, Brian Wilson, que apesar de ter deixado de tocar com a banda ao vivo, continuava a compor para o grupo. Mas Syd contribuía cada vez menos e o seu comportamento era cada vez mais louco, de tal forma que os outros membros do grupo deixaram de convidá-lo para os show e gravações. Gilmour ficou com seu posto devido as semelhanças entre os dois (Gilmour inclusive teria ensinado Syd a tocar guitarra). Assim, Gilmour tornou-se um membro permanente da banda e o baixista Roger Waters tomou para si a liderança do grupo. A decadência de Syd influenciou profundamente a escrita de Gilmour e Waters posteriormente, e o tema da doença mental e a sombra da desintegração de Syd pairou sobre três álbuns de maior sucesso do Pink Floyd, The Dark Side of the Moon, Wish You Were Here e The Wall.
Ao contrário do que se podia esperar, o Pink Floyd se saiu muito bem sem Barret. Já o contrário, nem tanto assim. Syd foi se retirando do mundo da música aos poucos, apesar de ter gravado ainda 2 discos solo, The Madcap Laughs em 1970 e Barrett, de 1971, ambos gravados a participação de Waters, Gilmour e membros do Soft Machine. Houve algumas sessões para um terceiro álbum, mas terminaram após Syd ter atacado um empregado do estúdio, mordendo-lhe a mão. Esquecido, Syd levou desde então uma vida comum, morando com a mãe e se dedicando a hobies como pintura e jardinagem. Faleceu no dia 7 de Julho de 2006, em Cambridge, aos 60 anos de idade. As causas não foram confirmadas. Especula-se que tenha morrido por complicações relacionadas com a diabetes, enfermidade da qual sofria há anos, embora o jornal inglês The Guardian diga que a causa foi câncer. Sei que muita gente deve estar lendo e achando bobagem, por não conhecer direito essa fase do Pink Floyd e mal saber quem foi Syd, mas para mim, o Pink Floyd nunca foi nem será o mesmo que era quando contava com Syd a sua frente. Quem quiser conhecer melhor procure pelo disco de 2001, Wouldn’t You Miss Me e talvez me entenderá.
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