Não tinha muito que eu havia me mudado pra cidade: Mudanças na empresa que eu trabalhava acabaram levando à uma demissão em massa – uma “reestruturação” como eles chamaram – e acabei desempregado. Mandei currículo pra várias outras companhias, desde as start-ups até multinacionais, mas meus antigos colegas de trabalho ou chegaram primeiro ou tinham melhores indicações. Fiquei feliz por eles… Ao menos pela maioria. Só que isso me levou à tentar vagas bem mais distantes, e a primeira que me chamou eu fui: Quatro malas bastaram pra pôr tudo que eu tinha dentro e me mudar pra cá. continue lendo »
Ariovaldo passou pela sala à caminho da cozinha. Ainda com sono botou a cafeteira para funcionar. Bocejou, voltou para a sala e foi aí que viu, por baixo da porta, o envelope branco com o carimbo do condomínio, colocado alí e não na caixa de correio no térreo de propósito. Não se surpreendeu nem um pouco.
Desde que comprara o apartamento, há seis anos atrás, estranhara o preço abaixo da média para a região. Segundo a corretora deixara escapar, outros oito candidatos haviam se interessado pelo imóvel mas desistido da compra pouco antes de fechar negócio. Ela deu-lhe um beijo quando ele finalmente assinou a papelada da venda. Dois dias depois de concluída a mudança, Ariovaldo descobriu o motivo de tanta desistência: O apartamento era assombrado. continue lendo »
Não lembro a última vez que usei isto aqui, o que significa dizer que faz tempo o suficiente para perder o jeito.
É estranho como as coisas são: Como o costume é uma parte integrante de tudo que fazemos, e ainda assim é tão fácil tirá-lo da equação, relegando-o à uma posição de bastidores. Num mundo em que a memória muscular faz toda a diferença, e o segundo colocado é mensurado em milésimos de segundo, não tem espaço para o desconhecido: A prática à exaustão é o segredo do sucesso mais que o talento, e quando chega o inevitável momento em que o resultado final não é mais o melhor resultado possível, há um problema. A aposentadoria é uma vergonha não porque os louros prévios perderam seu valor, mas porque o passado não gera interesse. continue lendo »
Tudo aconteceu na década de 80, mas poderia bem ser nos dias atuais. O Rio de Janeiro acordava de manhã e descobria mais um crime: O arrombamento e furto da Quitanda Dona Margarida, no então recente bairro de Padre Miguel. Seria outro crime comum, não fosse o que o ladrão levou: Apenas as moedas, e notas baixas de Cruzeiro.
Era sábado à noite, a luz azulada sozinha da TV iluminava a sala, lançando sombras suspeitas nos móveis e almofadas. Mudei de canal, a tela piscou por um segundo, e fixou na nova imagem. De novo e de novo. Nada. Nada minimamente digno de ser assistido, nem mesmo o que eu já tinha assistido antes… Era sábado pós feriado, é claro que não teria nada. Por acidente, acabei parando na fatídica MTV. Mas o canal não tinha acabado? continue lendo »
Autores estalam os dedos, sentam em suas cadeiras, e escrevem, enquanto que do outro lado da rua, no outro prédio, há um salão de balé. Ou ballet. E da janela dos autores dá para ver as saias rosas e os saltos das alunas, que tanto incomodam a vizinha de baixo, que de máscara de beleza na cara se arma da vassoura e impunemente castiga o teto, esperando que os seus golpes derrotem a música que sai do gramofone restaurado do andar de cima. E os autores não olham para o mundo lá fora. continue lendo »
Sabe, eu não sou de ficar comprando livros. Ou lendo livros de contos. Pra mim, contos são entidades individuais que não deveriam ser agrupadas, mas sim lidas sozinhas, em suas individualidades. Mas essa não é a questão, afinal por que raios eu falaria de um livro de contos que eu não tivesse lido? Eu sou babaca, mas não a esse ponto. Ainda. continue lendo »
-Sim! Sim! sim!
-Mas não pode!
-Mas é. E eu não posso fingir que não sinto mais nada por você.
-E-eu não acredito em você. Eu NÃO VOU OUVIR.
-Então eu vou gritar. Pra todo mundo ouvir. continue lendo »
Na casa dos séculos, sem número e em rua nenhuma, localizada além de Além da Imaginação, vive o Século 21. Tem quatorze anos de idade. Ele está naquela fase de descobrir o próprio corpo, rabiscar nomes de banda no tênis, não ter noção do ridículo e não saber que é um completo idiota. Compreensível, todo mundo foi assim – ou algo parecido. O irmão mais velho que o precede por exemplo, Século 20, quando tinha a mesma idade já estava matando príncipes e começando guerras mundiais, é verdade, mas o pobrezinho era tão inocente ao mesmo tempo. Gostava de ouvir rádio, não sabia o que era um carro rápido de verdade, nem tinha computador, Facebook e smartphone com Android. Que besteira. O Século 21 agora já pega o carro do papai, e odeia ser tido como inocente; ele se vê como esperto, legal, moderno, afinal é o que ele é, não? Ele é cheio de poder, desde que nasceu. Cada ano que passa ele se torna mais legal. Tão legal, mas tão legal, que seu irmão pensa que ele vai cair duro e sufocado qualquer hora dessas. continue lendo »
Atenção: O conto que vocês estão prestes a ler foi baseado em uma história real – ou tão real quanto nós queremos que seja. Os nomes dos envolvidos foram alterados para resguardar suas identidades.
Se forem verdadeiros, não há explicação satisfatória para certos eventos narrados a seguir. continue lendo »