O jogo mais depressivo do mundo

Nerd-O-Matic quinta-feira, 06 de março de 2008 – 48 comentários

Vocês três que acompanham essa coluna desde que ela passou a ser escrita por mim já devem ter percebido que eu tenho esse problema de levar os games á sério demais ás vezes. Ok, eu sou um hardcore gamer e jogo mais do que devia. Acho que esse tipo de comportamento é esperado de pessoas como eu.

Mas então, vocês putos aí que também se consideram hardcore, já viram esse jogo chamado Passage?

Isso nem pode ser chamado de “jogo”, acho. Olha o tamanho desses pixels cara. Tu olha e fica pensando “que merda é essa, voltamos aos anos 80?”. Eu fiquei procurando qual era o comando pra aumentar a resolução, eu não conseguia acreditar que tinha instalado do jeito certo e que tava pronto pra “jogar”.

Por que o “jogar”, entre parênteses? Porque a parada não é bem um jogo, já falei. Então você não “joga”, você “participa”. É uma experiência disfarçada de jogo. É difícil explicar, baixa aí a parada, tem só uns 500k, e o jogo todo vai do começo ao fim em 5 minutos, mais ou menos. É mais rápido jogar do que ler o resto dessa coluna, então, se for pra escolher entre um dos dois, escolha o jogo.

Joga lá e depois volta aqui. Eu espero.

Sério, porra. Joga ANTES de ler o resto.

Jogou? Então? Não é uma PUTA experiência bizarra? Tu não começa achando meio esquisito e daí vai entrando numas cadeias de pensamento que não combinam muito com o que você espera sentir num jogo? Pra mim foi o seguinte:

Eu comecei a parada e fui apertando uns botões padrão no teclado: shift, espaço, enter, pra ver quais eram as ações disponíveis. Vocês sabem, eu nunca leio tutorial de jogo, mas tiro alguns minutos pra testar os comandos já dentro do jogo. O bonequinho não fazia nada, a não ser andar na tela. WTF? E ainda por cima uma tela que nem é tela, porra. Só essa faixinha ridícula no meio da tela preta. Vamos andar então, que já vi que é jogo de ficar andando. Deve ser um tipo de Pitfall sem pulos. Nostalgia Atari imediata dos jogos com pouquíssimas opções de ação. Já fiquei de má vontade com o jogo.

Primeiro eu comecei a ir pra direita, sem pensar muito. Passei reto pela mulherzinha, porque só tinha visto uma parte dela (tu não viu a mulherzinha? Perdeu. Joga de novo), mas resolvi voltar e encostei nela. Surgiu um coração entre os dois e eu pensei “Yeesss, mulher!, Agora só falta achar a cerveja, o chicote e a cama” A mina colou em mim e não dava pra fazer mais nada com ela, então continuei andando pra direita. Como assim, ela vai na minha frente? “Mulher, já pra trás do seu marido!” Isso me incomodou um pouco, mas tudo bem. O jogo é assim, pra ir despertando sentimentos mesmo através do minimalismo dos pixels e tal. Mas me surpreendi em perceber que meu machismo se expressa até com um punhado de pontinhos coloridos numa tela. Os jogos são mesmo um espelho do jogador.

Aí continuei andando, vendo o cenário tosco ir mudando e passando rápido demais. Também percebi que no lado direito da tela era como se o cenário estivesse todo esmagado lá, esperando pra entrar no campo visual. Achei um puta efeito pra um jogo horrível desses. Mas não parecia ajudar em nada pra descobrir o que fazer no jogo. Só tornava evidente que eu tinha que seguir sempre pra direita. Fui indo, meio de saco cheio, mas sabendo que o jogo terminava logo.

Depois de andar pra caralho resolvi variar o caminho, mas não dava pra fazer muita coisa. Como eu tava com a mulher, eu não conseguia passar entre alguns obstáculos. Damn Woman! Mulheres: sempre me impedindo de fazer o que eu quero e de ir onde eu preciso ir. É ou não é a metáfora perfeita da vida a dois? Tu arranja uma mulher e ela acaba com a sua liberdade. Orra, tinha um baú de tesouro que eu vi uma hora, e que eu não conseguia chegar nele por causa da mulher. Mulheres empobrecem você. Sumidouros universais de dinheiro. Conformei-me de que não poderia fazer nada de muito útil e fui só seguindo pra direita pela parte de cima do cenário. Era o caminho mais fácil.

Eu via os pixels dos bonecos dando umas piscadinhas, mas achei que era só porque o jogo é tosco. Perdi um puta tempo andando pra direita, e pra cima e pra baixo em zig-zag, procurando uma porta, uma passagem (o jogo se chama “Passage” porra), mas só achava obstáculos. Quando comecei a andar só pra direita e o cenário me entediava, percebi que os bonecos estavam ficando com os cabelos brancos. Caralho! Como assim? O único outro jogo onde o efeito de envelhecimento do personagem me causou angústia até hoje foi em Fable. E nem incomodava tanto, já que seu personagem envelhecia mas não morria em Fable.

Orra. Eu vou morrer. ORRA, meu bonequinho vai morrer porra! Tentei voltar pra esquerda, pra fazer o tempo voltar. Não dava, óbvio. Desde quando dá pra fazer o tempo voltar? Só em Need for Speed e Prince of Persia mesmo. Mas eles são só jogos. Cara, eu vou morrer. A mina vai morrer. Ela tá velha e nem teve sexo nesse jogo. ó o machismo aí de novo. Surpreendente que eu tenha pensado uma merda dessas ao me tocar de que os dois iam morrer.

Sério, fiquei parado um tempão olhando os pequenos putos. Normalmente seu personagem morre num jogo porque você enfia ele num buraco, toma 280 tiros, é comido por uma hidra, sei lá. Não morre sozinho por envelhecimento. Mas eu já sabia que não dava pra fazer nada pra impedir o avanço do tempo. E o pior: mesmo parados os putos continuavam envelhecendo. Oh, merda. Rápido, vamos andar o máximo que der.

Corre, corre, corre pra direita. Corre o caralho, os bonequinhos tão velhos e não andam mais naquele ritmo do começo do jogo. Bosta de jogo realista, pare de me angustiar. Eu não quero um jogo que me lembre de como a vida é uma marcha interminável pra morte, com a gente se degenerando no caminho.

CORRE mano, cês vão morrer! Aí, do nada, a mina vira uma lápide. Foi pra fita a mulherzinha. E você fica vivo. O jogo é tão FDP que faz os personagens morrerem em tempos diferentes, só pra você experimentar ainda mais a inutilidade da sua vida. Fica abandonado no final. E nem dá pra voltar e pegar aqueles baús cheio de drogas ilícitas e dinheiro que ficaram pra trás. Caput. Você gastou sua vida E a vida da sua mina fazendo porra nenhuma, a não ser seguir o caminho mais fácil pra direita. Vidinha bunda que você levou hein?

Andei mais um pouco pra direita, muito, muito devagar. Notei que aquele efeito de cenário esmagado não tava mais na parte da frente, tinha ficado todo pra trás. ó a sua vida lá atrás. Dá pra ver a lápide da mina ficando pra trás. Não tem mais nada pra frente. RIP pra você também motherfucker. Homem-lápide. The End. Teh Horror.

Que joguinho desgraçado cara.

Mas ok, tirando a parte da depressão, é ou não é uma puta experiência provocada por um punhado de pixels mal-ajambrados? Eu fico puto cara. Eu fico puto, porque eu fico imaginando o tipo de experiências que poderiam ser criadas nos consoles atuais, se os desenvolvedores fossem um pouco mais criativos. Olha o potencial que essas caixinhas têm pra fazer a gente refletir sobre a vida. E a gente fica só matando nazista em Medal of Honor. Que merda. Isso é um jogo que vale a pena, um troço em que você gasta seu tempo, pensa numas coisas que estavam lá no fundo da mente e depois ele acaba servindo como uma memória, uma figura, um relicário de que você tem que pelo menos aproveitar melhor sua vida, nessa marcha para o cemitério. Sempre pra direita. Caminho fácil ou difícil? Aliás, notaram que tem uma pontuação em cima?

Enfim, jogaram? Sentiram alguma coisa diferente? Não sentiram porra nenhuma?

confira

quem?

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