Overdose Adaptações: V de Vingança (V for Vendetta)

Cinema terça-feira, 15 de julho de 2008 – 3 comentários

V de Vingança, dirigido pelos irmãos Matr… Wachowski, tinha sido agendado pra sair em 5 de novembro de 2005, mas só foi lançado em 2006, matando boa parte da enorme publicidade que girava em volta da comemoração dos 400 anos da Conspiração da Pólvora.

A HQ de Alan Moore teve sua adaptação para o cinema feita em 2006, com várias modificações feitas, segundo os produtores do filme, para adaptar a história a um momento político mais atual. Boa parte da anarquia da obra de Moore foi amenizada ou retirada, assim como as referências ás drogas. O filme também é bem mais parcial que a HQ, dando a V a aparência de herói mais do que de terrorista, e transformando o Adam Susan perturbado, solitário e humano dos quadrinhos em Adam Sutler (talvez pra soar parecido com Adolf Hitler, sei lá), o vilão óbvio, sendo um ditador claramente desalmado e inumano.

O filme se passa em um futuro caótico: em 2038, a Inglaterra é governada pelo partido da Nórdica Chama, que controla o estado através do fascismo e da repressão. Ao contrário da HQ, aqui o Destino (supercomputador que funciona quase como o centro de todas as funções do partido – e que dá um toque de 1984 á obra) inexiste, amenizando um pouco a tensão existente na história, na minha opinião, além de deixar pontas soltas: não se explica como V tem acesso a tanta informação ou como ele controla algumas das transmissões durante o filme.

Evey aqui também tem um papel muito diferente da jovem insegura dos quadrinhos. Enquanto a de lá é uma moça desesperada e sem muita visão de futuro, a das telonas, interpretada por Natalie Portman, é uma jovem bem mais independente: enquanto a das HQs tenta entrar pra prostituição por falta de dinheiro, a Evey vista no filme tem um bom emprego na British Television Network, e chega inclusive a ajudar o terrorista a fugir do prédio quando ele precisa.

Creio que V de Vingança teria sido melhor adaptado como um filme de investigação policial. Algo como um Seven com uma ênfase maior na visão do maníaco. O V romantizado do filme é muito menos psicótico, terrível e genial do que o terrorista dos quadrinhos. A HQ passa a impressão de um criminoso extremamente calculista e te faz pensar na possibilidade de não haver coincidência alguma no desenrolar da trama. A cena dos dominós lá faz muito mais sentido do que no filme, colocando na cabeça do leitor a possibilidade de que cada encontro, cada diálogo e cada perturbação dos personagens – até mesmo o encontro com Evey – pode ter sido minuciosamente calculado pelo homem da máscara sorridente. Já o filme, que dá bem mais ênfase ás cenas de luta do que á mente criminosa brilhante de nosso Vilão, transformou o sujeito numa espécie Robin Hood. Um personagem anestesiado, frango, bundão e não tão atento aos detalhes, se comparado com o original.

Não se engane, no entanto. V de Vingança é, apesar de tudo, um bom filme, mas deve ser visto como algo completamente separado da HQ. Se for pra ver só como adaptação, a coisa infelizmente não deu tão certo assim.

V de Vingança

V for Vendetta (132 minutos – Drama/Sci-Fi/Thriller)
Lançamento: 2006
Direção: James McTeigue
Roteiro: Alan Moore e David Lloyd (HQ), Irmãos Wachowski
Elenco: Natalie Portman, Hugo Weaving, Stephen Rea, Stephen Fry, John Hurt

Overdose Adaptações: V de Vingança (Vertigo)

HQs terça-feira, 15 de julho de 2008 – 4 comentários

Com suas primeiras edições lançadas em 1982, V de Vingança foi um dos primeiros – e um dos melhores, na minha humilde opinião de bucaneiro – trabalhos da carreira de Alan Moore. A série de dez capítulos começou a ser lançada em preto e branco na revista Warrior, mas a revista foi cancelada em 1985, quando V de Vingança, dividida internamente em três livros, estava no fim de seu segundo.

A história se passa numa inglaterra futurista – pra época, pelo menos – governada pela Nórdica Chama (Norsefire, no original), um partido fascista que chegou ao poder após uma catástrofe mundial causada por uma guerra nuclear, da qual o Reino Unido foi poupado graças á derrota dos conservadores em 1983 (o próprio Alan Moore depois se declarou ingênuo por acreditar numa óbvia derrota de Thatcher, na época). Londres é constantemente vigiada por um sistema policial dividido em departamentos com tarefas específicas: O Olho vigia a cidade através de inúmeras câmeras, a Boca é responsável pela propaganda e comunicação (aparentemente unilateral) entre o partido e o povo, o Nariz é o departamento de investigação, o Dedo se encarrega das prisões e execuções e a Cabeça administra e coordena os outros departamentos. Todo o aparato policial e político se baseia em Destino, um supercomputador ligado a todos os órgãos do partido, e teoricamente capaz de avaliar qualquer situação e encontrar a solução adequada.

Em 5 de novembro de 1997, um terrorista fantasiado de Guy Fawkes explode as casas do parlamento inglês. É o início de uma elaborada vingança contra abusos provocados em nome da ordem. Durante a noite das explosões, o criminoso, que passa a ser conhecido simplesmente pela inicial V, encontra Evey Hammond, uma órfã desesperada, abatida e inexperiente que tenta, sem sucesso, entrar para a prostituição. A garota acaba se insinuando, sem saber, para um dos homens do Dedo, e é salva por V e levada por ele para a Galeria Sombria, onde o terrorista guarda toda a arte que ele conseguiu juntar antes que fosse destruída ou censurada pelo governo.

A HQ traz o conflito entre a Anarquia, a paixão de V – destaque para o diálogo entre V e a Madame Justiça -, e o fascismo, tendo Adam Susan, chefe da Cabeça, como seu representante máximo. Um ponto interessante é que Moore nunca chega a apresentar heróis ou vilões. V, sendo ou não bem-intencionado, é um terrorista e um lunático, matando quem quer que se ponha no caminho de sua vendeta; e Susan é um homem afogado em seu desespero solitário, incapaz de interagir socialmente, que acredita estar sozinho no mundo com seu ‘deus’, Destino. Sem conhecer a ternura humana, o ditador anseia pelo amor frio e, segundo ele, perfeito, de sua máquina.

A idéia é aplicar a anarquia na própria HQ, deixando o leitor pensar por si próprio e decidir se dá razão á ordem restritiva da Nórdica Chama ou ao caos libertário de V. Somos levados a ver a história através dos olhos confusos de vários personagens secundários, como a própria Evey, que vai gradualmente se transformando em algo diferente; Rose Almond, viúva do falecido Derek (ex-chefe do Dedo), que percebe que era amparada apenas pela alta posição de seu marido, e se torna completamente desprezada e largada após a sua morte; e Eric Finch, investigador do Nariz, que vê V como um monstro, mas, sendo obrigado a tentar pensar como o terrorista para pegá-lo, começa a questionar sua própria conduta, tendo aceitado e se tornado parte de um sistema fascista do qual ele discorda. Ao contrário da versão cinematográfica, Finch nunca chega a admirar V ou o que ele faz: ele o considera um monstro até o último momento. A humanidade de cada personagem é outro traço marcante da HQ.

V de Vingança é o tipo de HQ que se torna um clássico pra quem lê. E foi a HQ que me fez ver que histórias fechadas geralmente tem potencial pra ser muito melhores do que as inacabáveis histórias de super-heróis.

Recomendo que a HQ e o filme sejam vistos como duas obras separadas. Os dois foram feitos em épocas diferentes, e enquanto a Graphic Novel era uma resposta ao Thatcherismo inglês dos anos 80, o filme tentou se adaptar á briga entre conservadores e liberais e á guerra ao terrorismo americana. Isso, claro, sem contar que o filme não foi nem um pouco encorajado por Moore, que já tinha ficado insatisfeito com outras adaptações, como A Liga Extraordinária.

Ave atque vale, marujos!

V de Vingança

V for Vendetta
Lançamento: 1982/1988
Arte: David Lloyd
Roteiro: Alan Moore
Número de Páginas: Varia
Editora:Vertigo (EUA), Quality Comics (Reino Unido)

confira

quem?

baconfrito