The Stuff of Legend (Th3rd World Studios)
Bem, acho que todo mundo aqui teve brinquedos, certo? Daqueles comuns mesmo, que representam figuras humanas ou animais: pelúcias, soldadinhos, um animalzinho bonitinho ou outro (ah, minha cachorrinha de pelúcia Lassie…) todo mundo tem ou teve, acho que é meio que regra.
Essa aqui é mais difícil, mas acho que todo mundo deve ter visto Toy Story ou pelo menos saber do que se trata: um grupo de brinquedos dum garoto comum como qualquer outro que ganha vida quando ele não está olhando e tenta reagir à presença do Buzz Lightyear, um brinquedo novo e moderno que chega pegando um lugar no coração do garoto e por isso acaba preocupando os outros brinquedos. Eu adorei Toy Story, pois embora tenha visto ele um pouquinho velho pra magia funcionar direito ainda assim consegui imaginar meus brinquedos ganhando vida enquanto eu não olho. Acho que isso é a fantasia de todas as crianças que tem brinquedos, fingir que os mesmos tem vida, então não seria fantástico que eles tivessem MESMO vida? Tem um filme chamado “A Chave Mágica” (“The Indian in the Cupboard “) que também é assim, onde brinquedos são trazidos à vida por meio dum armário de bonecas com uma chave especial. É um tema bem explorado, afinal.
Menos nos quadrinhos.
“De onde vem as lendas” é uma espécie de mistura e meio termo entre Toy Story e A Chave Mágica: na calada da noite O Garoto (que é chamado apenas assim), o dono dos brinquedos, que os amou por muito tempo, é raptado por tentáculos negros – pelo Bicho-Papão – e é levado para algum lugar dentro do armário e não pode ser salvo pelos seus leais brinquedos, pois a maior parte deles estava dentro de seu baú, e bem, os outros infelizmente não podem violar uma Regra, que diz que não podem se mover enquanto o garoto está olhando.
Assim, o Soldado, um dos preferidos do Garoto, organiza uma trupe de destemidos voluntários para se aventurar no mundo do Bicho-Papão, donde nenhum brinquedo jamais retornou, para salvar o garoto – o grupo dos oito, contendo: um Soldado (desses de chumbo, sem rosto mesmo), uma Princesa (uma boneca de Índia americana, dessas de qualquer “Forte Apache”) um Porco de cerâmica (que é o mais inteligente do grupo), um Pato de Madeira, uma Bailarina de Caixinha de Música, um Palhaço-dentro-da-caixa e um Urso, o favorito do Garoto, e Escoteiro, o pequeno filhote de Beagle do Garoto que tentou salvá-lo, mas infelizmente não conseguiu, saem rumo ao desconhecido, se arriscando para salvar a pele daquele que tanto os amou e que afinal merece esse gesto. Os brinquedos não fazem nada mais que sua obrigação, expressando essa gratidão.
Até aqui temos um quadrinho infantil, não fosse o modo como o tema é tratado. O traço é retrô, parecendo gravuras de livros antigos, dando um clima “de época” muito bem-vindo, que torna a história um desses livros antigos. Mesmo o modelo dos brinquedos, como dos móveis do quarto do Garoto, bem como o seu pijama, nos fazem imaginar que a história se passa no final do século dezenove, quando muito nas primeiras décadas do século vinte Consultando o site oficial da editora descobri que se passa durante a Segunda Guerra. Só isso já imprime um charme especial ao título, dando um pouco mais de realidade e ludicidade, mas diferente de Toy Story não evoca o lado cômico, mas sim um pouco desse sentimento de heroísmo e amor que os brinquedos sentem por seu dono. Não há como ler a história sem se lembrar de algum brinquedo querido que tenha sido deixado pra trás no correr dos anos.
Enquanto apenas uma amostra do que está por vir, a edição “teaser” que pude ler funciona muito bem, pois estou esperando ansioso pela primeira edição de fato, tanto por tudo o que pude descrever agora quanto pelo grande final. No último quadrinhos somos apresentados a um campo de batalha nos domínios do Bicho-Papão, desolado e repleto de brinquedos destruídos no chão, porém o observador mais habilidoso perceberá que se tratam de CORPOS amontoados como se fossem bonecos. Aterrador e muito sutil, uma crítica às vezes às terríveis fotos da segunda guerra, em que vemos Judeus nos campos de concentração ou mesmo soldados em campos de batalha amontoados da mesma maneira. A guerra nada mais é que uma grande brincadeira em que ninguém se diverte… Divago. Enfim, no quadrinho seguinte somos apresentados a uma cena de batalha entre o grupo dos oito e o que pareceu ser as tropas do Bicho-Papão, e aí que nos vem a surpresa: todos, tanto os oito quanto seus inimigos, aparecem sob suas formas “reais” – como se fossem as “pessoas” de carne-e-osso que representam, numa batalha sangrenta onde notei, por acaso, brinquedos, agora como pessoas reais, das mais diversas épocas e etnias lutando juntos, nessa multiplicidade própria de toda boa caixa de brinquedos de qualquer garoto (o que reforça ainda mais a ambientação, pois vemos que os mais “modernos” brinquedo ainda são os soldados e os cowboys, lutando contra animais e cavaleiros medievais). Aqui que o quadrinho assume o seu quinhão “A Chave Mágica”, como dito antes pelo Soldado, quando fala de sua experiência em batalha, mostrando que os brinquedos nada mais são que uma representação de figuras reais e como tal mantém suas propriedades.
Encerrando, minhas considerações: confesso que todo o quadrinho me animou e muito, principalmente por resgatar esse sentimento bom e saudoso dos meus tempos de brinquedos, mas ao mesmo tempo dando o tratamento adulto que um quadrinhos desses merece (como já vimos esse dueto entre o onírico e o adulto em diversos quadrinhos, cito por exemplo Sandman e Fables). Porém digo que fiquei um pouco decepcionado em ver os brinquedos em sua “forma real”, esperava que a guerra se desenvolvesse como qualquer guerra real, mas entre brinquedos mesmo – com sangue e violência, mas na estética própria dos brinquedos. Mas vá, gostei de vê-los “realizados”, sobretudo o Jach-in-the-box (o Palhaço) que em sua “forma brinquedo” não possuia a metade inferior do corpo, a caixa, ficando suspenso em sua mola de metal. Quero ver como os roteiristas irão adaptar isso numa pessoa real… só me deixa mais ansioso (nos quadrinhos em que aparece, notadamente o último e a capa, em sua forma de carne-e-osso não aparece como isso se dá Ele aparece com pernas… tudo bem, não elimina os acertos do quadrinho, afinal suas meias são listradas para evocar o padrão que a mola teria.
Por fim, um quadrinho que parece ser ótimo, mas como a edição que tive apenas é uma prévia irei dar uma nota um pouco menor, de algo que me incentivou muito a acompanhar, porém ainda não é algo que me conquistou de vez. Vale a leitura e serve como forma de nos atentarmos para quando vir o lançamento e descobrirmos se os oito conseguem ou não resgatar o Garoto dos domínios do Bicho-Papão e ver todo o desenrolar dessa batalha de resgate. The Stuff of Legend (que aqui pode ficar como “De Onde vem as Lendas” numa tradução infeliz, por não manter o teor grandioso original) foi distribuído gratuitamente no último “Free Comic Book Day” e é uma obra de Mike Raicht e Brian Smith ilustrado por Charles Paul Wilson III.
The Stuff of Legend
*The Stuff of Legend*
Lançamento: 2009
Arte: Charles Paul Wilson III
Roteiro: Mike Raicht e Brian Smith
Número de Páginas: 27
Editora:Th3rd World Studios
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