Top 3 Autores – Neil Gaiman – Morpheus
Morpheus (Não confundam com Daniel Hall, o Segundo Aspecto de Sonho) é um personagem, no mínimo, interessante. Apesar de, no final das contas, ser um personagem heróico, ele possui muitos aspectos negativos em sua personalidade. Morpheus é lento para compreender humor de qualquer tipo, ocasionalmente insensível, preocupa-se com si mesmo de modo quase obsessivo (E não fisicamente, como a sua tia natureba que corre uma maratona todo dia e se alimenta de suco de couve e soja) e tem sérios problemas para esquecer ou perdoar uma desfeita. E isso é só uma faceta do Tecelão de Sonhos.
Sonho tem, também, um longo histórico de romances que não deram certo, e reage de modo cruel ou rude quando um relacionamento acaba (Vide a pobre Nada, que passou dez mil anos no colo do capeta por dizer não a ele). Como Mervyn Cabeça-de-Abóbora (Um dos meus personagens secundários prediletos na série) disse certa vez em Vidas Breves: “Ele precisa ser a figura trágica, tomando chuva chorando a perda da mulher amada. E aí, dá-lhe chuva. Enquanto isso, todo mundo tem sonhos cheios de angústia existencial e acorda um caco. E a gente fica encharcado”. Outro trecho interessante, do mesmo arco, é dito por Desejo, que afirma sobre Sonho: “[…]rude e grosseiro. É arrogante, estúpido e acha que sabe tudo. Alguma coisa nele me dá nos nervos”. Essa inimizade duradoura entre Desejo e Sonho tem sua origem em Noites Sem Fim, quando Desejo causa o rompimento de um dos namoros de Sonho. É implicado que, antes de ser preso em Prelúdios e Noturnos, Morpheus era ainda mais cruel e cego às próprias falhas, e boa parte da narrativa de Sandman é focada na vontade de Sonho em consertar ou amenizar os erros do passado (Como tentar libertar Nada, ou salvar Calíope).
Oneiros está sempre ciente das suas responsabilidades, tanto àquelas em relação a outras pessoas/seres quanto ao seu próprio território, sendo extremamente minucioso no cumprimento destas. Como indicado algumas vezes no decorrer da obra, ele é o Perpétuo com maior consciência das responsabilidades que pesam sobre seus ombros, com talvez uma ressalva podendo ser feita em relação a Destino. Sonho também possui uma relação recíproca de dependência e confiança com Morte, sua irmã mais velha. Ele luta constantemente para entender a si mesmo e os outros Perpétuos, mas sempre é impedido pela sua pior falha: A incapacidade de aceitar mudanças. Essa incapacidade, como nota Lucien no final de Entes Queridos, levou-o à morte; citando o próprio bibliotecário do Sonhar: “Às vezes, talvez, é preciso mudar ou morrer. E, no fim das contas, talvez houvesse limites para o quanto ele podia se permitir mudar.”
Lorde Moldador também é um personagem recluso, a seu modo. Apesar de lidar diariamente com todo ser vivo capaz de sonhar e acumular nomes às dezenas devido a seus feitos, poucos podem declarar-se portadores do título de “Amigo(a) de Morpheus”, entre eles Robert Gadling, Matthew Cable, Bast, Titânia, a rainha das fadas e, talvez exagerando um pouco, Johanna Constantine, Fiddler’s Green e Lucien; “tudo” isso ao longo de éons.
O Rei dos Sonhos é um dos melhores personagens de Neil Gaiman, por ser, apesar de todo o poder, humano. Sim, ele está acima de deuses, semideuses e monstros; assim como seus irmãos e irmãs, é capaz de moldar a realidade ao seu redor sem esforço algum e de se deslocar entre os extremos do universo num piscar de olhos. Mas, ainda assim, sofre do mesmo modo que qualquer um de nós. Estamos acostumados, devido à cultura cristã dominante no nosso país, a ver deuses como seres perfeitos, distantes, incapazes de cometer erros. Em Sandman, acompanhamos a jornada de alguém (Ou algo) mais poderoso que deuses, e, mesmo assim, mais próximos de nós que qualquer divindade. Talvez por ser uma manifestação da própria psiquê humana, não sei. Mas, com certeza, sei que Sonho dos Perpétuos está entre um dos melhores personagens, não só de Neil Gaiman, mas de toda a literatura.
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