Uma carta aos fãs de Rick and Morty de um fã de Community
Eu nunca assisti Rick and Morty (Aliás, eles usam “and” aqui no Brasil mesmo?)… Pra falar bem a verdade o último desenho animado que assisti realmente foi Avatar lá em 2011, mas caso você esteja aí de bobeira aceite isto aqui como o que os gringos chamam de “cautionary tale“.
Deixem-me adivinhar: Rick and Morty é divertido porque tem um humor que não te faz gargalhar, mas ainda é divertido. Tem horas e horas de frases de efeito de como o ser humano é uma porcaria, como somos todos canalhas individualistas e egocêntricos… E aí diz como, vez ou outra, nos redimimos, balanceando perfeitamente a sensibilidade e a podridão. Tem as fatídicas “referências à cultura pop” além de ser criar toda uma gama própria – uma cultura própria – de piadas e situações que só quem prestou atenção na continuidade entendeu. Rick and Morty consegue sagaz, sutil e crítica bem debaixo do seu nariz, não é?
Tem gente melhor que eu pra fazer este texto.
Mas e daí?
A verdade é que Community matou minha vontade de ver séries. Foi uma viagem, cara: Três temporadas incríveis, o cancelamento, o retorno que virou uma temporada horrível, o cancelamento, o retorno que virou uma temporada ruim, o cancelamento, o retorno que virou a pior última temporada possível. Eu fiz campanha, cara. Na internet. Usei hashtag, fiz texto que não vou linkar por vergonha, comemorei, acompanhei notícia… Eu cansei. Porque não só eu investi bastante coisa na série, mas porque eu aprendi umas paradas que vou compartilhar hoje com vocês.
A ligação entre ambas as séries é, é claro, Dan Harmon, criador, produtor, show runner… Dan Harmon é um filho da puta, cara. E não falo isso com ódio no coração não, é uma constatação. Ele é… Instável. Babaca. Ele sabe disso, muito, muito bem, e admite prontamente, mas a real é que ele não muda. Ou talvez mude, mas apenas nos meios, não nos fins. Acontece que o Dan Harmon é um daqueles caras extremamente carismáticos, e junto à isso tem o fato de que ele sabe o que faz. Ele é muito, muito bom em fazer TV. Percebam: “TV”, não “arte”.
Justin Roiland, o outro criador de Rick and Morty, é um desses caras da nova época das animações, junto com a galera de Hora da Aventura, Gravity Falls, Sanjay e Craig, Apenas um Show: É um novo estilo de TV, uma mudança necessária pros canais e emissoras continuarem no ar e tudo mais… Não nego que não é um estilo que me desagrada, mas o fato é que funciona. É um estilo formulaico e simplificado, que mira baixo na chance de acertar alto… É o tal do quirky by nature que eu odeio com todas as minhas forças.
Usar um filme do Seth Rogen de argumento, meu deus, como eu decaí.
Vou fazer legenda dupla por motivo de: Puta que pariu, que entrega horrível de fala.
Vou dizer logo de cara: #SixSeasonsAndAMovie matou Community. É isso aí, fomos nós, os fãs. E enquanto os gringos tão despirocando por causa de molho de salada é necessário dizer que Community foi realmente incrível por apenas metade do tempo em que esteve no ar: A outra metade, tirando alguns parcos bons momentos, foi uma sucessão arrastada de fiascos e esperança infundada.
Isso é um jeito complicado de dizer que Community poderia ter morrido com dignidade, saído enquanto estava no topo, mas os fãs forçaram a barra além de tudo possível, insistindo em levar a série até seus últimos dias, mesmo que isso significasse que, naquela altura, a série seria um vegetal dependendo de aparelhos para sobreviver.
Outra verdade é que o Dan Harmon não tem culhões pra dizer não pra esse tipo de coisa. Juntando isso ao fato de que desenho animado nunca teve uma boa história no que tange seu gerenciamento de produção, é questão de tempo até o desapontamento geral. E cara, dói.
Porque primeiro é realidade, depois você espera, aí você acredita, e quando enfim a verdade bate na tua cara já é tarde demais.
Eu sei que agora é divertido e inteligente, que tem personagens legais, histórias malucas, episódios experimentais, citações à torto e à direito e tudo isso banhado com uma capacidade incrível de fazer piada de peido parecer alta comédia… Mas é uma fraude. Ou melhor, é uma história de sucesso que simplesmente dura pouco, uma estrela cadente: É bonito, mas ainda é um monte de poeira em chamas.
Te dei o sol, te dei o mar
O que estou dizendo é que tanto o Dan Harmon quanto o Justin Roiland sabem fazer o que fazem, e isso inclui navegar através das políticas e armadilhas da indústria da TV. Os dois são muito, muito bons em tornarem qualquer coisa em um discurso com ares de grandeza. Os dois são muito, muito bons tem angariarem fãs incondicionais, seguidores fervorosos, servos cheios de gula e sem absolutamente nenhuma moderação ou consideração. E nenhum dos dois sabe (Ou quer) abrir mão da adulação, da atenção, da lisonja. Deve ser muito foda viver assim, mas o produto nunca presta.
Eu vi acontecer, cara, mais que uma vez, e por alguns anos eu fiz parte da parada também… Não à níveis tão altos, mas a culpa também é minha. Eu precisei aprender do jeito difícil, e mais gente vai aprender assim também, mas pelo bem da minha própria consciência eu tenho que avisar vocês agora: Isso é modus operandi, não é por acaso… Chega um momento que deixa de ser “como eu sou” e passa a ser “o que eu quero”, e nesse ponto é necessário descer do bonde. Longe de mim acreditar em preto e branco, mas cara, eles não são boas pessoas. Talvez sejam na vida real, mas isso aqui não é vida real: Podem acreditar quando vos digo que absolutamente qualquer brecha, qualquer pano pra manga, será usado. Será usado com eloquência e com seriedade, com segurança e grandeza, e será sempre um habeas corpus.
Talvez vocês, fãs de Rick and Morty, ainda tenham muitos anos de boas colheitas pela frente; talvez alguém – outra pessoa que não os dois – tenha a consciência de puxar a corda do paraquedas e salvar a coisa toda enquanto ainda é tempo; talvez as coisas sejam diferentes desta vez… Mas elas estão nos mesmos trilhos, têm os mesmos maquinistas e estão se aproximando mais e mais do fim da linha com muita, muita velocidade mesmo. Não esperem até que seja tarde demais, até mesmo para pular fora ainda em movimento, do jeito que eu fiz.
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